E quando a força da negritude compete com a força da santidade católica?
Nesta semana,
em que despenca o dia 20 de novembro, a cidade de Marabá, praticamente uma
metrópole plantada na região sudeste do Pará, permite-nos colher alguns frutos. Entre eles, brotam-se um feriado municipal, o dia de São Félix de Valois (leia-se:
“Valoá”), padroeiro da cidade, e uma data de repercussão nacional, o Dia da
Consciência Negra (leia-se: discussões de esquerda e de direita sobre como as
pessoas pretas devem ou não devem pensar e existir).
No cenário da
educação municipal, como professor que sou há 21 anos, sei que, por um lado,
existe a felicidade por causa da força do feriado. Feriado rima com descanso,
duvida?! Todo trabalhador gosta de usufruir de um feriado no aconchego do lar.
Por outro lado, não vou afirmar que exista uma infelicidade, porém é nítido que esse feriado municipal (lei nº 2.376, de 1982), que representa fortemente a influência católica na formaçãoda identidade e da cultura marabaenses, parece perder espaço para as comemorações e protestos relacionados ao Dia da Consciência Negra.
Repito: não é
uma infelicidade, mas enxergo alguns problemas nesse contexto em que o feriado
local é invisibilizado pelo tema nacional.
Para ser bem
objetivo na observação que faço aqui, vou deixar de lado, momentaneamente,
minha crítica ao fato de que a esquerda política já sequestrou a data de 20 de
novembro, usando-a como instrumento ideológico para promover a própria agenda
de poder. Isto é, sequestraram a temática do racismo para sinalizar que eles
são os únicos virtuosos, são eles os justiceiros sociais capazes de resolver os
problemas do Brasil. A esquerda criou uma senzala ideológica. Enquanto isso, a
direita política sedimenta ações para desmistificar essa falsa virtude. É
chato, mas necessário. Afinal, os conservadores não caem nesse papo de racismo
estrutural. Nem no curral cognitivo do “lugar de fala”. Em síntese, toda axiologia em
torno do movimento negro de esquerda é, de fato, estratégia de silenciamento
das pessoas pretas de direita.
Nesse sentido,
o que a população de Marabá vê no chão das escolas, tanto nas públicas quanto
nas particulares, é um esforço em escala amazônica para a realização de
eventos: palestras, oficinas, apresentações artísticas, documentários, rodas de
conversa etc., completamente voltados para o Dia da Consciência Negra. No
entanto, a data do padroeiro de Marabá é relegada quase ao esquecimento. Digo:
os estudantes sabem ou aprendem pouco, ou quase nada, acerca de quem foi e qual
o peso de São Félix de Valois.
Doravante, faço
aqui um singelo esforço para entender ou tentar entender as pessoas que
acreditam que esse cenário está correto, ou seja, que Marabá deve seguir assim
mesmo, sem nenhuma ou com ínfimas referências ao padroeiro local.
Primeiramente,
entendo que muita gente vai argumentar sobre o fato de o racismo ser uma
temática urgente, que necessita de enfrentamento e conscientização, e que as
escolas são meios extremamente úteis para que a sociedade e o governo apliquem
ações diretas e indiretas, visando à construção de um Brasil mais socialmente
justo, igualitário e democrático. Beleza! Eu concordo que o drama do
preconceito racial deva ser combatido, mas isso não justifica a aura de
silêncio nas escolas sobre a história, a simbologia e a personalidade de SãoFélix de Valois. Caberia, nos espaços das salas de aula, ensinar também sobre o
padroeiro.
Repito: concordo
com as ações de uma educação antirracista. Mas não sou obrigado nem acredito
que as escolas devam ser obrigadas a reproduzir qualquer discurso panfletário
da esquerda política e autoritária. Autoritária porque rotula todos que pensam diferentemente
dela de racistas. Uma canalhice intelectual e antidemocrática que infelizmente amedronta
muita gente.
Em segundo
lugar, entendo que há pessoas que vão justificar com o argumento de que o
Estado é laico, no intuito de que as escolas não deem repercussão ou algum
fomento aos valores em torno de quem foi “Valoá”. Geralmente, esse é o
argumento mais usado por aqueles que promovem o preconceito e a intolerância
religiosa aos cristãos. Contudo, se fosse um "padroeiro" de matriz africana, essas mesmas
pessoas jamais evocariam o argumento da laicidade.
Por fim, é necessário que uma coisa não anule a outra. Deveria haver espaço para ambos nas escolas. Ou melhor, deveria haver espaço para esses três pontos: celebrar a consciência negra, dando voz às pessoas pretas de esquerda e de direita, respeitando suas diferenças, bem como garantir que os estudantes ao menos tenham noção da história da própria cidade. E, naturalmente, de seu padroeiro.
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