O
falecimento de uma importante líder indígena da Terra Indígena Mãe Maria (TIMM), em
Marabá (PA), marca não apenas a dor de uma comunidade, mas também um momento de
profunda reflexão sobre como a memória ancestral tem sido manipulada em certos
espaços acadêmicos — especialmente por setores da universidade pública
brasileira.
É inegável
a contribuição significativa das universidades federais no apoio e na promoção
de políticas afirmativas para os povos originários. Falo afirmativas até com
certo receio, pois percebo um interesse de neocolonialismo subjacente às
práticas de algumas universidades. Muitas ações de inclusão, formação e
pesquisa têm valorizado saberes e culturas indígenas como parte viva da
diversidade brasileira. Contudo, é necessário fazer uma crítica honesta quando
esses mesmos espaços parecem instrumentalizar o luto indígena para promover uma
agenda ideológica “woke” que pouco dialoga com a realidade das comunidades
envolvidas.
Neste
caso, o que se observa é a apropriação de um momento de perda profunda para se
reforçar discursos ideológicos que tentam projetar nas sociedades indígenas os
valores e as lógicas da política identitária moderna. Fica a pergunta: quem
autoriza a universidade a interpretar o pensamento indígena sob a lente de um
campo político tão específico?
A concepção de patriarcalismo que a universidade tem é realmente a visão que os indígenas têm acerca das lideranças masculinas? Ou o neocolonialismo de esquerda deve ser imposto intransigentemente sobre a cultura das etnias presentes na TIMM?
Muitas
etnias no Brasil — e isso não significa homogeneização nem cristalização de
costumes — apresentam formas próprias de organização social nas quais homens
também ocupam papéis centrais, muitas vezes espirituais e de liderança.
Reconhecer isso não é negar os avanços conquistados pelas mulheres indígenas,
mas sim respeitar a complexidade das cosmologias e das tradições desses povos.
Infelizmente,
o que parece acontecer é uma tentativa de ressignificar tais práticas segundo
um viés de pensamento que se julga libertador, mas que termina impondo suas
categorias de gênero, poder e representação a realidades que não pediram por
elas. Isso, a meu ver, configura um novo tipo de colonização: simbólica,
acadêmica e travestida de "justiça epistêmica".
A
Universidade Federal não deveria se utilizar da morte de uma mulher indígena —
com toda a trajetória que ela construiu — como palco para repisar batalhas
políticas entre feminismo e patriarcado. Deveria, isso sim, render-lhe
homenagens sinceras, ouvir sua comunidade, exaltar seu papel como mãe,
liderança e guardiã da cultura de seu povo.
Não se
trata de negar que há opressões. Mas é preciso evitar reduzir a experiência
indígena a um roteiro em que as universidades atuam como roteiristas e
protagonistas ao mesmo tempo. Há mais sabedoria no silêncio respeitoso diante
de um caixão do que nos discursos que projetam mais o ego acadêmico do que a
alma da memória que se foi.
Aos que
fazem da universidade pública um espaço de diálogo real com os povos indígenas,
minha admiração. Mas que não usem o luto como discurso. Que não falem por quem
pode — e quer — falar por si.
Talvez
seja esse o verdadeiro respeito à ancestralidade.
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