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segunda-feira, 26 de março de 2012

MULHER DO CAMPO - Em tempos de pós-modernidade, a vida no campo requer o peito austero feminino

Bebé e Maria Raimunda, por uma luta jamais derrotada



















“Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas”, diz a canção. Na antiguidade clássica, as atenienses viam seus maridos lançarem mãos às armas e partirem prontos à guerra. Hoje, o contexto mudou. São as camponesas que lutam. Vozes e mãos afeitas ao solo e unidas para garantirem seus direitos.
Cerca de 700 mulheres que integram o Movimento dos Sem Terra (MST), oriundas de 11 localidades – dentre acampamentos e assentamentos diferentes da região sudeste – ocuparam simbolicamente em março o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), em manifesto da luta feminina.
A verdade é que pouco sabemos a respeito dos desafios que a mulher “no” campo enfrenta – por viverem numa condição de vida que gera uma identidade feminina diferenciada.
E para retratar, o quanto possível, o cotidiano da mulher campesina nossa reportagem entrevistou a assentada, Maria José, que responde por Bebé, e uma das líderes do MST, Maria Raimunda Cesar, ambas envolvidas nesse manifesto durante o mês das mulheres.
De acordo com Maria Raimunda, por mais que as pessoas critiquem essas reivindicações, o interesse do movimento é garantir os direitos básicos que estão na Constituição Federal Brasileira (CFB). Coisa que muitas famílias no campo não têm.
 “Por exemplo, é uma conquista recente das mulheres que a titulação da terra seja do nome da mulher e do homem. Foi necessária muita luta”, observa Cesar, que logo recebe o apoio de Bebé, informando também que existem companheiras que moram sozinhas e possuem o título da terra em seu nome.
Cesar aproveita para ressaltar o artigo 3º da CFB, que fala de construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos; porém, ainda hoje há quem trate o trabalhador do campo como marginal.  
Um dos algozes da discriminação sofrida pela mulher campesina, tem a ver com a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS).
“Muitas mulheres não tem carteira assinada, de jeito nenhum. Somos discriminadas por isso, porque, a gente faz todo o trabalho do que é a roça, o plantio... e ainda não ganha o suficiente. Ai, quando chega a idade, não tem o direito que gostaríamos de ter. É a maior luta para se aposentar”, detalha a assentada.
 Divisão do Trabalho – A atuação das mulheres no campo é plural e feita com muito gosto, apesar de tantas adversidades, isso conforme Bebé, que enfatiza algumas atividades além do ciclo de plantio e colheita.
“Elas fazem também a venda em feiras e entregas em supermercados. A nossa área abastece duas cidades, Parauapebas e Canaã dos Carajás. São mais de cinquenta mulheres trabalhando diariamente. Mas os as pessoas da cidade não reconhecem nosso valor”, pontua Bebé e salienta que cabem ao homem trabalhos mais pesados como a lida de capinar.
Contudo, segundo Maria Cesar, o escoamento da produção é problemático não só no acampamento Dina Teixeira, em Canaã, e ao qual pertence Bebé.
“Poucos municípios fornecem o transporte do campo até a cidade. Outros não têm feiras para o agricultor expor o seu produto. As mulheres acabam tendo que levar sua produção em caminhões enormes para elas subirem”, denuncia a líder do MST, e acrescenta que a infraestrutura das rodovias é outro cabal elemento que gera o atraso no campo, em todo o Pará.
Educação básica – Impedir que mais escolas no campo sejam fechadas tem sido um dos gritos dessas batalhadoras. Conforme Cesar, há dados sobre o fechamento de mais de 24.000 mil instituições de ensino no campo, em todo o território nacional.
No caso do Dina Teixeira, cerca de 400 estudantes dentre crianças, adultos e idosos freqüentam a escola regularmente no acampamento.
“Só a merenda que, às vezes, o prefeito lá demora para mandar”, nota Bebé, enquanto Maria Cesar rememora que essa instituição de ensino foi resultado de marchas e protestos, além de um recurso impetrado junto ao ministério de público de Canaã.
“Agora, tem casos como o de uma escola, à beira da estrada, lá em Curionópolis, que o pessoal do acampamento não tem o direito de estudar. Embora seja um direito garantido pela LDB e Diretrizes Operacionais da Educação no Campo”, avalia Cesar.
Sob o pretexto de usar o transporte escolar para buscar o alunado do campo, a fim de cursarem nas escolas da cidade, muitos gestores desviam esses recursos e muita gente fica fora da sala de aula.
Saúde – “Saúde? Saúde não existe pra ninguém e no campo ela se complica um pouco mais. No campo não tem. Todos têm que ir para a cidade”, Cesar responde consternada quando questionada sobre o atendimento médico no campo.
Também conforme Bebé, o maior problema no acampamento parte da saúde. Mesmo após várias ligações, os hospitais públicos “se negam a ir buscar quem está no campo”, padecendo alguma enfermidade.
Quando aparece alguém com dengue ou uma mulher grávida no campo, logo se vê que as desigualdades neste país andam anos luz na direção oposta.

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