LITERATURA
Anderson Damasceno
UEMA 2019
Prosa contemporânea
A prosa
intimista, com raízes em Clarice Lispector, volta-se para a solidão, a solitude
e os dramas pessoais. Autran Dourado, Osman Lins e Lygia Fagundes Telles são os
nomes que se destacam nessa vertente.
Lygia Fagundes Telles estreou no
cenário brasileiro com a publicação de Porão
e sobrado, contos de 1938. Em 1944, lançou Praia viva, e depois Cacto
vermelho (1949). Porém, essas obras, segundo a autora, são livros mortos.
“Eu não quero que os jovens percam tempo com eles. Quero que conheçam o melhor
de mim mesma, o melhor que eu pude fazer, dentro de minhas possibilidades.
(...) Não há mais tempo, entende? Num país como esse, onde ninguém lê nada,
ficar lendo coisas da juventude, as juvenilidades de um escritor, é perca de
tempo!”, afirmou Lygia em entrevista.
Só com Ciranda de Pedra (1954), Telles atingiu
a maturidade inventiva e o pleno domínio de sua identidade como ficcionista,
abordando temas recorrentes como: a
loucura, a solidão e os desencontros ocorridos na vida.
Portanto, é nesse cenário pessoal
que nascem os livros: Verão no aquário
(1963), As meninas (1973), A noite escura e mais eu (1995) e Um coração ardente (2012). Desde sua
estreia, a ficcionista mostrou predileção pelo conto, que considera uma “forma
arrebatadora de sedução”.
Nos textos de Lygia Fagundes
Telles temporalidade e atemporalidade permutam-se, intercambiam-se num jogo que
mescla fragmentos do passado com o presente, sobre o futuro sempre lembrado da
inexorabilidade da morte e de seus mistérios. Ultrapassando o apertado círculo
de uma realidade reconhecível e datável, a ficção de Lygia insere-se no domínio
do mítico, e percebemos em sua narrativa os anseios, as frustações, os temores
e as esperanças assaltam a mente do homem, tudo expressado pela tessitura
enigmática da linguagem simbólica. O paraíso e a queda, a morte e a
ressurreição, todas as grandes antíteses e contradições da alma humana tomam
forma nas tramas criadas. Sua obra apresenta homogeneidade, seu mundo poético é
bastante nítido.
A caçada (Lygia
Fagundes Telles)
A loja de antiguidades tinha o cheiro de
uma arca de sacristia com seus panos embolorados e livros comidos de traça. Com
as pontas dos dedos, o homem tocou numa pilha de quadros. Uma mariposa levantou
vôo e foi chocar-se contra uma imagem de mãos decepadas.
- Bonita imagem - disse ele.
A velha tirou um grampo do coque, e limpou a unha do
polegar. Tornou a enfiar o grampo no cabelo.
- É um São Francisco.
Ele então voltou-se lentamente para a tapeçaria que
tomava toda a parede no fundo da loja. Aproximou-se mais. A velha aproximou-se
também.
- Já vi que o senhor se interessa mesmo é por isso...
Pena que esteja nesse estado.
O homem estendeu a mão até a tapeçaria, mas não chegou
a tocá-la.
- Parece que hoje está mais nítida...
- Nítida? - repetiu a velha, pondo os óculos. Deslizou
a mão pela superfície puída. - Nítida, como?
- As cores estão mais vivas. A senhora passou alguma
coisa nela?
A velha encarou-o. E baixou o olhar para a imagem de
mãos decepadas. O homem estava tão pálido e perplexo quanto a imagem.
- Não passei nada, imagine... Por que o senhor
pergunta?
- Notei uma diferença.
- Não, não passei nada, essa tapeçaria não aguenta a
mais leve escova, o senhor não vê? Acho que é a poeira que está sustentando o
tecido - acrescentou, tirando novamente o grampo da cabeça. Rodou-o entre os dedos
com ar pensativo. Teve um muxoxo: - Foi um desconhecido que trouxe, precisava
muito de dinheiro. Eu disse que o pano estava por demais estragado, que era
difícil encontrar um comprador, mas ele insistiu tanto...
Preguei aí na parede e aí ficou. Mas já
faz anos isso. E o tal moço nunca mais me apareceu.
- Extraordinário...
A velha não sabia agora se o homem se referia à
tapeçaria ou ao caso que acabara de lhe contar. Encolheu os ombros. Voltou a
limpar as unhas com o grampo.
[...]
A formação intimista
feminina em Verão no Aquário, de
Lygia Fagundes Telles
No texto intitulado “Mulher,
mulheres”, Lygia Fagundes Telles desenvolve sua opinião acerca do que chama de
revolução das mulheres e não propriamente uma revolução do movimento feminista.
Sua abordagem se refere em larga medida às mudanças sociais. Quase no final do
texto, ela define a “Revolução da Mulher”:
[...] A difícil Revolução da Mulher sem
agressividade, ela que foi tão agredida. Uma revolução sem imitar a linha
machista na ansiosa vontade de afirmação e de poder mas uma luta com maior
generosidade, digamos. Respeitando a si mesma e nesse respeito, o respeito pelo
próximo, o que quer dizer amor. (TELLES: 2002, p. 59)
Mas, quando perguntada se ela diferencia
a literatura escrita por mulheres da escrita por homens, sua resposta surpreende:
[...] Sim, a ficção feminina tem características próprias, é mais intimista,
mais confessional, a mulher está podendo se revelar. Se buscar e se definir, o
que a faz adotar um estilo bastante subjetivo, aparentemente narcisista: ela precisa
falar de si mesma. No meu romance As meninas, há a frase uma personagem que
aborda a situação: “antes eram os homens que diziam como nós éramos. Agora, somos
nós”. Agora, quanto a uma propalada divisão de águas no sentido de separar
especialmente a literatura feminina da masculina, penso que esta divisão não
existe. Há livros de mulheres que são livros bons e livros que são ruins,
exatamente como acontece com os livros dos homens. A única divisão seria o
sentido da qualidade. O sexo é como o sexo dos anjos não interessa.
Mesmo com tais exposições um
tanto contraditórias, a autora valeu-se do universo feminino e suas
complicações para compor romances e contos. Entre os seus quatro romances, é em
Verão no aquário que a autora ousa em
sua escrita, mas não chega a subverter os preceitos do romance de formação.
Suas soluções artísticas para narrar a história de uma jovem mulher em um
período formativo vêm alargar a compreensão do gênero feminino.
A crítica literária
Para
Alfredo Bosi, importante crítico da literatura brasileira, os contos de Lygia
F. Telles podem ser definidos como “prosa psicologizante [...] empostada nos
ritmos da observação e da memória” (BOSI: 2006, p.393). De acordo com sua
percepção, Telles escreve “romances de tensão interiorizada” onde “O herói não
se dispõe a enfrentar a antinomia eu/mundo pela ação: evade-se, subjetivando o
conflito.” (BOSI: 2006, p.392).
Outros críticos consideram que o
detalhe, entre realista e “literário”, entre o documental e o imaginário, é o
seu forte, permitindo-lhe a notação intimista de acentos simbólicos e, não
raro, fantásticos.
Personagens femininas
No primeiro romance, Ciranda de Pedra, a personagem Virgínia
passa por um processo evolutivo natural, começa criança e termina o texto uma
jovem adulta. Todo o seu percurso é marcado por descobertas
que vão construindo sua personalidade. O segundo, Verão no aquário, tem como protagonista
a jovem Raíza que tenta definir-se em um estágio de autocompreensão. No
terceiro romance, As meninas, existem
três protagonistas que dividem a narrativa determinadas a encontrar um fim
justificável para suas vidas. O quarto, e até então, último romance, As horas nuas, tem como personagem
principal uma atriz decadente que, em uma idade mais avançada, tenta inserir-se
no mundo de onde é constantemente despejada. Todas essas mulheres, independente
de sua
faixa etária, buscam a si mesmas e passam por processos
distintos de aprendizagem. Essa construção do próprio eu por que passam as
personagens protagonistas de Lygia Fagundes Telles torna a sua narrativa muito
próxima do gênero romance de formação. As mulheres dessas obras estão sempre em
busca de montar o seu próprio mosaico identitário.
Raíza
A história, narrada em primeira
pessoa pela protagonista, tem como foco um período específico da vida de Raíza.
O tempo diegético compreende um curto momento pelo qual a adolescente passa:
uma estação, ou mais precisamente, um verão, acrescido de inúmeras
analepses. A ação se passa em sua maior parte no interior da
casa em que Raíza vive com sua mãe, sua tia, uma empregada e sua prima, esta,
esporadicamente. A complexidade do enredo está centrada no conflito gerado pelo
processo de transformação pelo qual Raíza está passando.
No caso de Verão no aquário, a formação da protagonista Raíza passa por
conflitos de gênero e sua independência reflete em parte as questões que
estavam sendo vivenciadas naquele momento. O ano em que o romance estava sendo
lançado (1963) coincide com um forte momento de mobilização social. A revolução
feminista da década de sessenta, em prol dos direitos da mulher, trouxe consigo
uma nova maneira de pensar a posição da mulher dentro da sociedade. Mais uma
vez, esse aspecto social teve repercussão na literatura. O romance de Lygia
Fagundes
Telles traz em sua trama elementos que pautaram essas
discussões propostas pelo movimento contracultural. No texto são abordados
assuntos como a liberação sexual da mulher (as personagens mais jovens possuem
vários parceiros), o uso de drogas e a independência social do sexo feminino
frente ao masculino.
Ocorre também uma concentração na
fase de transição final: Raíza está passando de sua adolescência para a idade adulta.
Ela está assumindo responsabilidades, apaziguando-se emocionalmente e reatando
os laços de afetividade com a mãe. Podemos verificar que a protagonista
manifesta um conturbado envolvimento com novas responsabilidades que possam
torná-la independente e segura de si. Ela retoma algumas traduções, que faz
junto com sua prima, e tenta
reiniciar sua carreira frente ao piano, senão como artista,
ao menos como professora de música.
O relacionamento com a mãe é um
importante propulsor para o amadurecimento de Raíza. No relato da protagonista,
percebemos que a figura da mãe desde a infância se antepôs à dela. Isso, é
claro, partindo do ponto de vista da filha. A mãe, Patrícia, é exposta como uma
mulher independente, com temperamento altivo e um tanto desinteressada dos
assuntos alheios. Em muitas passagens do livro, Raíza corrobora essa
personalidade:
[...] Agora podia ouvir o ruído da máquina, mamãe estava
escrevendo, André ainda não tinha chegado para o chá. [...] Seria concebível
uma amizade assim branca? Dentro de alguns anos ela já estaria velha. Teria
tido forças para resistir àquele jovem esbraseado e ainda por cima, casto?!
Casto. .. Está claro que já se amavam como
loucos, os hipócritas. Ela, principalmente, tão distinta,
tão correta. E tão devassa. (TELLES: 2010, p. 14)
[...] Acendi um cigarro e fiquei ouvindo o ruído da máquina
de escrever, um ruído acobertado lá no fundo
como uma conspiração. Minha mãe. [.. .] o importante era que
ela escrevesse seus livros. [.. .] Ela não queria saber de nada. Ou melhor ,
queria saber mas era como se não tivesse sabido. Ouvia. Calava. E muito tesa e
muito limpa, sentava-se diante da máquina, punha os óculos e começava a
escrever. [...] Que importância meu pai ou eu podíamos ter? [...] que
importância, não, mamãezinha? Se ao menos tivéssemos sabido aprender as lições
admiráveis de seus livros [...] (TELLES: 1973, p. 67-68).
Em outros momentos, a descrição
de Raíza demonstra certa admiração – evidentemente velada – pela mãe: [...] Um
raio de luz batia em seus cabelos dando-lhes um
brilho quente. Podia tingi -los. Mas preferia deixá-los
assim, docemente castanho-grisalhos , penteados para trás. O perfume discreto.
O discreto colorido da boca. E os olhos largos e luminosos, irradiando uma luz
que a envolvia como uma aura. Era jovem mas não era mais jovem. Estava vestida
para sair mas não ia sair. (TELLES: 1973, p. 68-69)
[...] Fiquei sorrindo e pensando
em minha mãe. Tão deusa, tão inacessível, as vinte mil léguas submarinas longe
daquela vulgaridade que se pintava diante de mim. E o mesmo triste lado humano
na sede de mocidade, o mais velho sempre sugando o mais jovem na ânsia de
alguns anos mais... (TELLES: 2010, p.89)
[...] Pensei em minha mãe. Lá
devia estar ela na sua sala, tão bem penteada, tão bem composta que parecia
recear algum fotógrafo invisível, pronto para o flagrante do descuido, caso ela
se descuidasse. (TELLES: 2010, p. 147)
Atividades 1
1. Aquela gente teria mesmo existido? Madrinha tecendo a
cortina de crochê com um anjinho a esvoaçar por entre rosas, a pobre Madrinha
sempre afobada, piscando os olhinhos estrábicos, vocês não viram onde deixei meus
óculos? A preta Dionísia a bater as claras de ovos em ponto de neve, a voz
ácida contrastando com a doçura dos cremes, esta receita é nova... Tia Olívia
enfastiada e lânguida, abanando-se com uma ventarola chinesa, a voz pesada indo
e vindo ao embalo da rede, fico exausta no calor... Marcelo muito louro – por
que não me lembro da voz dele? – agarrado à crina do cavalo, agarrado à
cabeleira de tia Olívia, os dois tombando lividamente azuis sobre o divã. Você
levou as velas à tia Olívia?, perguntou Madrinha lá embaixo. O relâmpago apagou-se.
E no escuro que se fez, veio como resposta o ruído das cerejas se despencando
no chão.
Disponível em: http://leiadevez.blogspot.com/2010/08/lygia-fagundes-telles.html.
Acesso em: 27 set. 2018.
O registro das percepções emocionais é algo comum na obra de
Lygia Fagundes Telles. No fragmento, a narradora enfatiza o(a)
A) estabelecimento de vasos comunicantes com as lembranças por
meio do fluxo da memória.
B) preocupação com a descrição minuciosa da receita da preta
Dionísia.
C) dificuldade de integração da Madrinha ao ambiente
aristocrático e patriarcal do casarão.
D) poder dos fenômenos naturais na construção das cenas.
E) sentimento de felicidade e o clima de harmonia entre as personagens.
2. As obras de DaIton Trevisan, Rubem Fonseca, Clarice
Lispector e Lygia Fagundes Telles
atestam o fato de que:
A) a linguagem e a visão de mundo dos modernistas da
primeira geração constituem fonte de inspiração.
B) a poesia de caráter social e reivindicatória tem
caracterizado a criação literária destes autores.
C) há um estilo muito semelhante, com traços de
Neorromantismo, dominam a criação literária contemporânea.
D) o conto, de tendências diversas (denúncia social,
intimista, especulação da existência) tem sido constante da atual produção.
E) os romances politicamente comprometidos, neonaturalistas,
de denúncias das mazelas sociais constituem o aspecto mais importante da
geração de 30.
Texto para as
questões 3 a 5.
Era a primeira vez que eu pisava
naquele lugar. Nas minhas andanças pelas redondezas, jamais fora além do vale.
Mas nesse dia, sem nenhum cansaço, transpus a colina e cheguei ao campo. Que
calma! E que desolação. Tudo aquilo – disso estava bem certa – era
completamente inédito pra mim. Mas por que então o quadro se identificava, em
todas as minúcias, a uma imagem semelhante lá nas profundezas da minha memória?
Voltei-me para o bosque que se estendia à minha direita. Esse bosque eu também
já conhecera com sua folhagem cor de brasa dentro de uma névoa dourada. “Já vi
tudo isto, já vi... Mas onde? E quando?”
Fui andando em direção aos penhascos. Atravessei o campo. E
cheguei à boca do abismo cavado entre as pedras. Um vapor denso subia como um
hálito daquela garganta de cujo fundo insondável vinha um remotíssimo som de
água corrente. Aquele som eu também conhecia. Fechei os olhos. “Mas se nunca
estive aqui! Sonhei, foi isso? Percorri em sonho estes lugares e agora os
encontro palpáveis, reais? Por uma dessas extraordinárias coincidências teria
eu antecipado aquele passeio enquanto dormia?”
Sacudi a cabeça, não, a lembrança
– tão antiga quanto viva – escapava da inconsciência de um simples sonho.
Lygia Fagundes Telles, in "Oito contos de amor"
3. A frase “Já vi tudo isso, já vi... Mas onde?” O uso das
reticências sugere:
A) Impaciência.
B) Impossibilidade.
C) Incerteza.
D) Irritação.
E) Inquietação.
4. Podemos inferir que o trecho enquadra-se como sendo:
A) Descritivo.
B) Narrativo.
C) Científico.
D) Dissertativo.
E) Jornalístico.
5. “O Sol espiava atrás de uma nuvem...” Neste trecho a
autora faz uso de uma figura de linguagem muito comum nos textos descritivos.
Trata-se de uma
A) Hipérbato.
B) Assonância.
C) Metáfora.
D) Catacrese.
E) Prosopopeia.
Atividades 2
Texto para as questões 1 a 4.
Que se chama solidão
Chão da infância. Algumas
lembranças me parecem fixadas nesse chão movediço, as minhas pajens. Minha mãe
fazendo seus cálculos na ponta do lápis ou mexendo o tacho de goiabada ou ao
piano; tocando suas valsas. E tia Laura, a viúva eterna que foi morar na nossa
casa e que repetia que meu pai era um homem instável. Eu não sabia o que queria
dizer instável mas sabia que ele gostava de fumar charutos e gostava de jogar.
A tia um dia explicou, esse tipo de homem não consegue parar muito tempo no
mesmo lugar e por isso estava sempre sendo removido de uma cidade para outra
como promotor.
Ou delegado. Então minha mãe
fazia os tais cálculos de futuro, dava aquele suspiro e ia tocar piano. E
depois, arrumar as malas.
— Escutei que a gente vai se mudar outra vez, vai mesmo?
perguntou minha pajem Maricota. Estávamos no quintal chupando os gomos de cana
que ela ia descascando. Não respondi e ela fez outra pergunta: Sua tia vive
falando que agora é tarde porque a Inês é morta, quem é essa tal de Inês?
Sacudi a cabeça, não sabia. Você
é burra, Maricota resmungou cuspinhando o bagaço. (...)
— Corta mais cana, pedi e ela levantou-se enfurecida: Pensa
que sou sua escrava, pensa? A escravidão já acabou!, ficou resmungando enquanto
começou a procurar em redor, estava sempre procurando alguma coisa e eu saía
atrás procurando também, a diferença é que ela sabia o que estava procurando,
uma manga madura? Jabuticaba? Eu já tinha perguntado ao meu pai o que era isso,
escravidão. Mas ele soprou a fumaça para o céu (dessa vez fumava um cigarro de
palha) e começou a recitar uma poesia que falava num navio cheio de negros presos
em correntes e que ficavam chamando por Deus. Deus, eu repeti quando ele parou
de recitar. Fiz que sim com a cabeça e fui saindo. Agora já sei.
TELLES, Lygia Fagundes. Invenção e
memória.
1. De acordo com o texto, entende-se que o chão da infância
da narradora é marcado:
A) pela incômoda viuvez da tia.
B) pela ausência do pai.
C) pelo convívio com família e pajens.
D) pelo medo da escravidão.
E) pela indiferença das pajens.
2. Entende-se que a relação da narradora com a pajem
baseia-se:
A) na tolerância entre elas, embora a narradora quase não
consiga conter sua raiva com os descasos da pajem.
B) na tensão entre elas, embora a pajem deva respeito à
narradora, pois tem uma relação profissional com a família.
C) na indiferença entre elas, pois tanto a narradora deixa
de responder como a pajem deixa de atender-lhe o pedido.
D) na rivalidade entre elas, fato que se comprova pela
agressividade da pajem que sonhava estar no lugar da narradora.
E) na proximidade entre elas, pois a pajem, por exemplo,
externa seus sentimentos de desagrado, quando se vê incomodada por algo.
3. Na resposta enfurecida da pajem à narradora, repete-se a
forma verbal "pensa": Essa resposta permite entender que ela:
A) não pretende mais cortar cana naquele momento.
B) se vê na obrigação de atender ao pedido.
C) está, na verdade, fazendo uma brincadeira.
D) não compreendeu ao certo o que lhe foi pedido.
E) se dispõe a atender ao pedido com prontidão.
4. O texto de Lygia Fagundes Telles apresenta marcas
características do projeto literário da autora, ligado à ficção:
A) do realismo fantástico.
B) documentária urbano-social.
C) regionalista.
D) metafísica.
E) intimista e psicológica.
5. A loja de antiguidades tinha o cheiro de uma arca de
sacristia com seus anos embolorados e livros comidos de traça. Com as pontas
dos dedos, o homem tocou numa pilha de quadros. Uma mariposa levantou voo e foi
chocar-se contra uma imagem de mãos decepadas.
— Bonita
imagem — disse ele.
A velha tirou
um grampo do coque, e limpou a unha do polegar. Tornou a enfiar o grampo no
cabelo.
— É um São
Francisco.
Ele então
voltou-se lentamente para a tapeçaria que tomava toda a parede no fundo da
loja. Aproximou-se mais. A velha aproximou-se também.
— Já vi que o
senhor se interessa mesmo é por isso… Pena que esteja nesse estado.
O homem
estendeu a mão até a tapeçaria, mas não chegou a tocá-la.
— Parece que
hoje está mais nítida…
— Nítida? — repetiu
a velha, pondo os óculos. Deslizou a mão pela superfície puída. — Nítida, como?
— As cores
estão mais vivas. A senhora passou alguma coisa nela?
A velha
encarou-o. E baixou o olhar para a imagem de mãos decepadas. O homem estava tão
pálido e perplexo quanto a imagem.
— Não passei
nada, imagine… Por que o senhor pergunta?
— Notei uma
diferença.
— Não, não
passei nada, essa tapeçaria não aguenta a mais leve escova, o senhor não vê?
Acho que é a poeira que está sustentando o tecido acrescentou, tirando
novamente o grampo da cabeça. Rodou-o entre os dedos com ar pensativo. Teve um
muxoxo: — Foi um desconhecido que trouxe, precisava muito de dinheiro. Eu disse
que o pano estava por demais estragado, que era difícil encontrar um comprador,
mas ele insistiu tanto… Preguei aí na parede e aí ficou. Mas já faz anos isso.
E o tal moço nunca mais me apareceu.
A caçada, Lygia Fagundes Telles
O primeiro momento de tensão do conto é criado pelo narrador
com a frase:
A) “Ele então voltou-se lentamente para a tapeçaria que
tomava toda a parede no fundo da loja”.
B) “A velha tirou um grampo do coque, e limpou a unha do
polegar.”
C). “O homem estava tão pálido e perplexo quanto a imagem.”
D) “Teve um muxoxo: — Foi um desconhecido que trouxe,
precisava muito de dinheiro.”
E) “Preguei aí na parede e aí ficou.”
GABARITO
ResponderExcluirAtividades 1: ADCAE.
Atividades 2: CEAEC.