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segunda-feira, 14 de outubro de 2019

UEMA 2019 - Questões e análise da obra "Memórias de um sargento de milícias", de Manuel Antônio de Almeida






















LITERATURA
Anderson Damasceno
UEMA 2019
Prosa Romântica
                A prosa literária brasileira tem início com os romances de folhetim, durante o Romantismo. Os capítulos eram publicados regularmente no “Suplemento Literário”, ou seja, uma parte dos jornais da época destinada aos leitores, em sua maioria jovens e mulheres, ávidos por encontrar nessas narrativas as projeções de seus conflitos socioemocionais.
Isso mostra que o começo e a expansão da imprensa nacional contribuíram significativamente com a difusão do gênero romance. A primeira narrativa acompanhada pelo público, com dramas próprios do universo burguês, foi A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, em 1844. 
A leitura representava um dos principais passatempos. Os autores, inclusive, elaboraram técnicas para promover a aproximação com o público, por exemplo, eram comuns expressões do tipo: “Minha cara leitora” ou “oh, leitora”.

Romance Urbano
Diferentemente do gênero lírico, que se organizou em três gerações, os romances se configuraram em vertentes: urbana, indianista, histórica e regionalista. Algumas delas concomitantes diga-se de passagem.
Memórias de um sargento de milícias
O romance urbano era o mais lido no século XIX, uma vez que retratava os costumes e o dia do público da época. A publicação de Memórias de um sargento de milícias deu-se sob o pseudônimo “Um Brasileiro”, no Correio Mercantil, entre 1852 e 1853. 
 
Nascido no Rio de Janeiro, de origem humilde, filho de pais portugueses, Manuel Antônio de Almeida (1830-1861) conseguiu concluir o curso de medicina, em 1855, mas não chegou a clinicar. Trabalhando na Administração da Tipografia Nacional, encontrou Machado de Assis, que lá iniciava a carreira de tipógrafo. Tinha aspirações a ser candidato a uma vaga na Assembleia Provincial do Rio de Janeiro, mas morreu no naufrágio do vapor Hermes.
No livro, por meio das traquinagens de Leonardo, herói malandro, consegue transmitir uma visão nada idealizada da sociedade brasileira à época de D. João VI. Leonardo é filho de Leonardo-Pataca e Maria da Hortaliça. Os cenários, os fatos e os costumes descritos nesse texto relatam divertidamente a classe popular do RJ, em uma narrativa cheia de ironia e humor. Mesmo romântico, o texto é permeado por uma visão crítica da sociedade.
O trecho a seguir corresponde ao momento no qual Leonardo-Pataca conhece Maria da Hortaliça, bem como ao nascimento do filho Leonardo.
“Sua história tem pouca coisa de notável. Fora Leonardo algibebe em Lisboa, sua pátria; aborrecera-se porém do negócio, e viera ao Brasil. Aqui chegando, não se sabe por proteção de quem, alcançou o emprego de que o vemos empossado, e que exercia, como dissemos, desde tempos remotos. Mas viera com ele no mesmo navio, não sei fazer o quê, uma certa Maria da hortaliça, quitandeira das praças de Lisboa, saloia rechonchuda e bonitota. O Leonardo, fazendo-se-lhe justiça, não era nesse tempo de sua mocidade mal apessoado, e sobretudo era maganão. Ao sair do Tejo, estando a Maria encostada à borda do navio, o Leonardo fingiu que passava distraído por junto dela, e com o ferrado sapatão assentou-lhe uma valente pisadela no pé direito. A Maria, como se já esperasse por aquilo, sorriu-se como envergonhada do gracejo, e deu-lhe também em ar de disfarce um tremendo beliscão nas costas da mão esquerda. Era isto uma declaração em forma, segundo os usos da terra: levaram o resto do dia de namoro cerrado; ao anoitecer passou-se a mesma cena de pisadela e beliscão, com a diferença de serem desta vez um pouco mais fortes; e no dia seguinte estavam os dois amantes tão extremosos e familiares, que pareciam sê-lo de muitos anos.
Quando saltaram em terra começou a Maria a sentir certos enojos: foram os dois morar juntos: e daí a um mês manifestaram-se claramente os efeitos da pisadela e do beliscão; sete meses depois teve a Maria um filho, formidável menino de quase três palmos de comprido, gordo e vermelho, cabeludo, esperneador e chorão; o qual, logo depois que nasceu, mamou duas horas seguidas sem largar o peito. E este nascimento é certamente de tudo o que temos dito o que mais nos interessa, porque o menino de quem falamos é o herói desta história.”
É possível classificar o livro de Almeida como um romance único na literatura romântica brasileira. Por desviar-se de vários paradigmas do romance romântico, já foi taxado pelos pesquisadores de pré-realista, bem como rotulado de romance picaresco.
A novela picaresca é um subgênero de romance originário na Espanha na era Barroca. Segundo Massaud Moisés, em seu Dicionário de termos literários, a personagem é um “pícaro do séc. XVII, moço quase sempre nascido de pais pobres e de baixa extração, raramente honrados, o qual, por causa de más companhias ou por falta de instrução, ao ver-se lançado na confusão da vida entregue a si mesmo, cai na vagabundagem, afasta-se do trabalho e luta pela vida como pode, com ousadia e falta de escrúpulos, com enganos, malícias e más artes, tramoias e furtos”.
Todavia, essa definição de anti-herói não encaixa adequadamente em relação ao personagem protagonista Leonardo. Em um famoso ensaio, intitulado “A dialética da malandragem”, o pesquisador Antônio Candido esboça uma nova interpretação para o romance:
“Digamos então que Leonardo não é um pícaro, saído de tradição espanhola; mas o primeiro grande malandro que entra na novelística brasileira, vindo de uma tradição quase folclórica e correspondendo, mais do que se costuma dizer, a certa atmosfera cômica e popularesca de seu tempo, no Brasil. Malandro que seria elevado à categoria de símbolo por Mário de Andrade em Macunaíma e que Manuel Antonio com certeza plasmou espontaneamente, ao aderir com a inteligência e a afetividade ao tom popular das histórias que , segundo a tradição, ouviu de um companheiro de jornal, antigo sargento comandado pelo major Vidigal de verdade. O malandro, como o pícaro, é espécie de um gênero mais amplo de aventureiro astucioso, comum a todos os folclores. Já notamos, com efeito, que Leonardo pratica a astúcia pela astúcia (mesmo quando ela tem por finalidade safá-lo de uma enrascada), manifestando um amor pelo jogo-em-si que o afasta do pragmatismo dos pícaros, cuja malandragem visa quase sempre ao proveito ou a um problema concreto, lesando frequentemente terceiros na sua solução.”       
                Vale ressaltar, como diz Candido, que Leonardo passava a vida completa de vadio, metido em casa todo santo dia, sem lhe dar o menor abalo o que se passava lá fora pelo mundo, porque, o “seu mundo” consistia unicamente nos olhos, sorrisos e requebros de Vidinha.

ANÁLISE DE TEXTO
                O trecho abaixo foi extraído do capítulo XX. Nele, percebe-se Leonardo e seu padrinho em um festejo popular do Divino Espírito Santo, acompanhados de D. Maria e da sobrinha desta, Luizinha.
O FOGO NO CAMPO
À hora determinada vieram os dois, padrinho e afilhado, buscar D. Maria e sua família, segundo haviam tratado: era pouco depois de ave-maria, e já se encontrava pelas ruas grande multidão de famílias, de ranchos de pessoas que se dirigiam uns para o Campo e outros para a Lapa, onde, como é sabido, também se festejava o Divino. Leonardo caminhava parecendo completamente alheio ao que se passava em roda dele; tropeçava e abalroava nos que encontrava; uma ideia única roía-lhe o miolo; se lhe perguntassem que ideia era essa, talvez mesmo o não soubesse dizer. Chegaram enfim mais depressa do que supusera o barbeiro, porque o Leonardo parecia naquela noite ter asas nos pés, tão rapidamente caminhara e obrigara o padrinho a caminhar com ele.
D. Maria estava já pronta e os esperava com algumas outras pessoas com quem também tratara ir de companhia, e em um momento puseram-se a caminho. Formavam todos um grande rancho acompanhado por não pequeno número de negras e negrinhas escravas e crias de D. Maria, que levavam cestos com comida e esteiras. D. Maria deu o braço ao compadre, e o mesmo fizeram as outras senhoras aos demais cavalheiros. Por gracejo D. Maria fez com que o Leonardo desse o braço a sua sobrinha; ele aceitou a incumbência com gosto, mas não sem ficar alguma coisa atrapalhado, e deu na pobre menina alguns encontrões, embaraçado por não saber se lhe daria a esquerda ou a direita; finalmente acertou, e deu-lhe a esquerda, ficando ele do lado da parede. Ofereceu-lhe o braço, porém Luisinha (tratemo-la desde já por seu nome) pareceu não entender o oferecimento ou não dar fé dele. Contentou-se pois o Leonardo em caminhar ao seu lado.
Assim chegaram ao Campo, que estava cheio de gente. Nesse tempo ainda se não usavam as barracas de bonecos, de sortes, de raridades e de teatros, como hoje: usavam-se apenas algumas que serviam de casas de pasto. Depois de passarem por diante delas, D. Maria e a sua gente se dirigiram para o Império. [...] Chegaram ao Império, que era nesse tempo quase defronte da igreja de Sant’Ana, no lugar agora ocupado por uma das extremidades do quartel de Fuzileiros. Todos sabem o que é o Império, e por isso o não descreveremos. Lá estava na sua cadeira o imperador, que o leitor já viu passeando pela rua no meio de seus foliões. Luisinha, vendo-o, pôs-se nas pontas dos pés, esticou o pescoço, e encarou-o por muito tempo estática e absorta. O Leonardo vendo isto sentiu um não sei quê por dentro contra o menino que atraía a atenção de Luisinha, e passou-lhe pela mente o desejo louco de voltar atrás seis ou sete anos de sua existência, e ser também imperador do Divino.
Nas escadas do Império fazia-se leilão como ainda hoje, divertindo-se muito o povo ali apinhado com as graçolas pesadas do pregoeiro. Estiveram aí algum tempo entretidos os nossos conhecidos, e foram depois procurar no meio do Campo um lugar onde pudessem fazer alto para cear e ver o fogo. Acharam-no, não sem alguma dificuldade, pois que muitas outras famílias se haviam adiantado e tomado as melhores posições. Grande parte do Campo estava já coberta daqueles ranchos sentados em esteiras, ceando, conversando, cantando modinhas ao som de guitarra e viola. Fazia gosto passear por entre eles, e ouvir aqui a anedota que contava um conviva de bom gosto, ali a modinha cantada naquele tom apaixonadamente poético que faz uma das nossas raras originalidades, apreciar aquele movimento e animação que geralmente reinavam. Era essa a parte (permitam-nos a expressão) verdadeiramente divertida do divertimento.
                O narrador descreve costumes da época sem deixar escapar a chance de ironizar e criticar. Ambientado no Rio de Janeiro, o narrador descreve igrejas, ruas mais importantes, predominando o subúrbio e pontos marginalizados.
                É, portanto, um romance de costumes, em que o autor não estava preocupado com a análise psicológica das personagens, traço mais realista do que romântico. As intenções do escritor eram mais sociais. O desejo de Almeida é contar como viviam os populares dos tempos de D. João VI.
                No romance, pode-se observar a organização das famílias, as festas típicas e truculência da polícia. Logo, o livro retrata um universo carnavalesco de pessoas vivendo à revelia do clero e da justiça, com festas cariocas e modinhas. Enquanto novela humorística, a ironia, a descrição minuciosa, a não idealização indicam um realismo, mas de extração espontânea, sem o desejo de formar uma nova estética (com base racionalista e positivista de análise).
Atividades 1
1. Leia o texto a seguir, extraído do capítulo inicial do romance Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida, para responder à questão.
“Mas voltemos à esquina. Quem passasse por aí em qualquer dia útil dessa abençoada época veria sentado em assentos baixos, então usados, de couro, e que se denominavam “cadeiras de campanha”, um grupo mais ou menos numeroso dessa nobre gente conversando pacificamente em tudo sobre o que era lícito conversar: na vida dos fidalgos, nas notícias do Reino e nas astúcias policiais do Vigidal. Entre os termos que formavam essa equação meirinhal pregada na esquina, havia uma quantidade constante, era o Leonardo-Pataca. Chamavam assim a uma rotunda e gordíssima personagem de cabelos brancos e carão avermelhado, que era o decano da corporação, o mais antigo dos meirinhos que vivem nesse tempo.”
São Paulo: Martin Claret. 2004. p. 12.
Percebe-se, nessa passagem, que descreve a posição de Leonardo no “canto dos meirinhos”, uma paródia da linguagem típica da Matemática. Assinale a alternativa que contenha uma expressão que possa ser considerada não paródica.
A) “uma quantidade constante”
B) “decano”
C) “termos”
D) “grupo mais ou menos numeroso”
E) “equação meirinhal”

2. Todo o barbeiro é tagarela, e principalmente quando tem pouco que fazer; começou portanto a puxar conversa com o freguês. Foi a sua salvação e fortuna. O navio a que o marujo pertencia viajava para a Costa e ocupava-se no comércio de negros; era um dos combóis que traziam fornecimento para o Valongo, e estava pronto a largar.
— Ó mestre! disse o marujo no meio da conversa, você também não é sangrador?
— Sim, eu também sangro...
— Pois olhe, você estava bem bom, se quisesse ir conosco... para curar a gente a bordo; morre-se ali que é uma praga.
— Homem, eu da cirurgia não entendo muito...
— Pois já não disse que sabe também sangrar?
— Sim...
— Então já sabe até demais.
No dia seguinte saiu o nosso homem pela barra fora: a fortuna tinha-lhe dado o meio, cumpria sabê-lo aproveitar; de oficial de barbeiro dava um salto mortal a médico de navio negreiro; restava unicamente saber fazer render a nova posição. Isso ficou por sua conta.
Por um feliz acaso logo nos primeiros dias de viagem adoeceram dois marinheiros; chamou-se o médico; ele fez tudo o que sabia... sangrou os doentes, e em pouco tempo estavam bons, perfeitos. Com isto ganhou imensa reputação, e começou a ser estimado.
Chegaram com feliz viagem ao seu destino; tomaram o seu carregamento de gente, e voltaram para o Rio. Graças à lanceta do nosso homem, nem um só negro morreu, o que muito contribuiu para aumentar- -lhe a sólida reputação de entendedor do riscado.
Manuel Antônio de Almeida, Memórias de um Sargento de Milícias.
As produções literárias refletem, muitas vezes, marcas de contexto histórico, político e social. É o que se observa no trecho de texto extraído de Memórias de um Sargento de Milícias. Nele, narra-se uma cena relacionada ao tráfico de escravos, porém o narrador não emite julgamento direto sobre essa prática. Ao adotar tal procedimento, o narrador
A) revela-se cúmplice do mercado negreiro, pois fica subentendido que o considera justo e irrepreensível.
B) antecipa os métodos do Realismo-Naturalismo, o qual, em nome da objetividade, também abolirá os julgamentos de ordem social, política e moral.
C) prefigura a poesia abolicionista de Castro Alves, que irá empregá-lo para melhor expor à execração pública o horror da escravidão.
D) contribui para que se constitua a atmosfera de ausência de culpa que caracteriza a obra.
E) mostra-se consciente de que a responsabilidade pelo comércio de escravos cabia, principalmente, aos próprios africanos, e não ao tráfico negreiro.

3.
O nascimento do romance
“A publicação de romances em folhetins – os capítulos aparecendo a cada dia nos jornais – já era comum no Brasil desde a década de 1830. A maior parte destes folhetins era composta por traduções de romances de origem inglesa, como as histórias medievais de Walter Scott, ou francesa, como as aventuras de Os Três Mosqueteiros, de Alexandre Dumas. Emocionados, os brasileiros acompanhavam as distantes aventuras de um Ivanhoé ou de um D’Artagnan, transportando-se, em espírito, para os campos e reinos da Europa.
Embora fizessem sucesso junto ao público, os primeiros romances brasileiros, publicados em folhetim, não deixavam de ser considerados, pelos literatos “sérios”, como “uma leitura agradável, diríamos quase um alimento de fácil digestão, proporcionado a estômagos fracos.” O romance, esse gênero literário novo e “fácil”, que foi introduzido na literatura brasileira por autores como Joaquim Manuel de Macedo, Manuel Antônio de Almeida e Teixeira e Sousa, ganharia status de literatura “séria” com a obra de José de Alencar.”

Os romances de folhetins representam concepções artísticas com valores sociais, estéticos e humanos atualizáveis e permanentes. Entre eles,
A) os heróis idealizados que predominam nos romances contemporâneos.
B) os finais felizes que ainda são abundantes nas telenovelas da atualidade.
C) os conflitos sociais envolvendo questões com o preconceito racial.
D) o público que hoje assiste às telenovelas é rigorosamente o mesmo que via os folhetins do século XIX.
E) o romance contemporâneo paga tributo aos folhetins sobretudo no que diz respeito à linearidade narrativa.

Atividades 2
1. “Era este um homem todo em proporções infinitesimais, baixinho, magrinho, de carinha estreita e chupada, e excessivamente calvo; usava de óculos, tinha pretensões de latinista, e dava bolos nos discípulos por dá cá aquela palha. Por isso era um dos mais acreditados na cidade. O barbeiro entrou acompanhado pelo afilhado, que ficou um pouco escabriado à vista do aspecto da escola que nunca tinha imaginado.”
[Manuel Antônio de Almeida, “Memórias de um Sargento de Milícias”]
Observando-se, neste trecho, os elementos descritivos, o vocabulário e, especialmente, a lógica da exposição, verifica-se que a posição do narrador frente aos fatos narrados caracteriza-se pela atitude
A) crítica, em que os costumes são analisados e submetidos a julgamento.
B) lírico-satírica, apontando para um juízo moral pressuposto.
C) cômico-irônica, com abstenção de juízo moral definitivo.
D) analítica, em que o narrador onisciente prioriza seu afastamento do narrado.
E) imitativa ou de identificação, que suprime a distância entre o narrador e o narrado.

Texto para as questões 2 e 3.
Os leitores estarão lembrados do que o compadre dissera quando estava a fazer castelos no ar a respeito do afilhado, e pensando em dar-lhe o mesmo oficio que exercia, isto é, daquele arranjei-me, cuja explicação prometemos dar. Vamos agora cumprir a promessa.
Se alguém perguntasse ao compadre por seus pais, por seus parentes, por seu nascimento, nada saberia responder, porque nada sabia a respeito. Tudo de que se recordava de sua história reduzia-se a bem pouco. Quando chegara à idade de dar acordo da vida achou-se em casa de um barbeiro que dele cuidava, porém que nunca lhe disse se era ou não seu pai ou seu parente, nem tampouco o
motivo por que tratava da sua pessoa. Também nunca isso lhe dera cuidado, nem lhe veio à curiosidade indagá-lo.
Esse homem ensinara-lhe o oficio, e por inaudito milagre também a ler e a escrever. Enquanto foi aprendiz passou em casa do seu... mestre, em falta de outro nome, uma vida que por um lado se parecia com a do fâmulo, por outro com a do filho, por outro com a do agregado, e que afinal não era senão vida de enjeitado, que o leitor sem dúvida já adivinhou que ele o era. A troco disso dava-lhe o mestre sustento e morada, e pagava-se do que por ele tinha já feito.
Manuel Antônio de Almeida, “Memórias de um Sargento de Milícias”
2. Neste excerto, mostra-se que o compadre vinha de uma situação de família irregular e ambígua. No contexto do livro, as situações desse tipo
A) caracterizam o costume dos brasileiros, por oposição aos primeiros imigrantes portugueses.
B) são apresentados como consequência da intensa mestiçagem racial, própria da colonização.
C) contrastam com os rígidos padrões morais dominantes no Rio de Janeiro oitocentista.
D) ocorrem com frequência no grupo social mais amplamente representado.
E) começam a ser corrigidas pela doutrina e pelos exemplos do clero católico.

3. A condição social de agregado, referida no excerto, caracteriza também a situação de
A) Juliana, na casa de Jorge e Luísa (O primo Basílio).
B) D. Plácida, na casa de Quincas Borba (Memórias póstumas de Brás Cubas).
C) Leonardo (filho), na casa de Tomás de Sé (Memórias de um sargento de milícias).
D) Joana, na casa de Jorge e Luísa (O primo Basílio).
E) José Manuel, na casa de D. Maria (Memórias de um sargento de milícias).

4. O enterro saiu acompanhado pela gente da amizade: os escravos da casa fizeram uma algazarra tremenda. A vizinhança pôs-se toda à janela, e tudo foi analisado, desde as argolas e galões do caixão até o número e qualidades dos convidados; e sobre cada um desses pontos apareceram três ou quatro opiniões diversas.
São Paulo: Martin Claret. 2004. p. 108.
O trecho apresentado exemplifica uma das características fundamentais do romance, que é
A) o retrato fiel dos usos e costumes do Rio de Janeiro no Segundo Reinado.
B) o caráter mórbido das personagens sempre envolvidas com a morte.
C) o sentimentalismo comum aos romances escritos durante o Romantismo.
D) o destino comum da personagem picaresca: seu encontro com a morte.
E) a descrição de fatos relacionados à cultura e ao comportamento popular.

5. Leia o texto a seguir
Depois de mais algumas palavras trocadas entre os dois, D. Maria chamou por sua sobrinha, e esta apareceu. Leonardo lançou-lhe os olhos, e a custo conteve o riso. Era a sobrinha de D. Maria já muito desenvolvida, porém que, tendo perdido as graças de menina, ainda não tinha adquirido a beleza de moça: era alta, magra, pálida: andava com o queixo enterrado no peito, trazia as pálpebras sempre baixas, e olhava a furto; tinha os braços finos e compridos; o cabelo, cortado, dava-lhe apenas até o pescoço, e como andava mal penteada e trazia a cabeça sempre baixa, uma grande porção lhe caía sobre a testa e olhos, como uma viseira. Trajava nesse dia um vestido de chita roxa muito comprido, quase sem roda, e de cintura muito curta; tinha ao pescoço um lenço encarnado de
Alcobaça.
Manuel Antônio de Almeida, “Memórias de um Sargento de Milícias”
A partir do trecho destacado pode-se afirmar que
A) confirma o padrão romântico de descrição da personagem feminina, representada nessa obra por Luizinha.
B) exemplifica a afirmação de que o referido romance estava em descompasso com os padrões e o tom do Romantismo.
C) não fere o estilo romântico de descrever e narrar, pois se justifica por seu caráter de transição da estética romântica para a realista.
D) justifica, dentro do Romantismo, a caracterização sempre idealizada do perfil feminino de suas personagens.
E) insere-se na estética romântica, apesar das características negativas da personagem, que fazem dela legítima representante da dialética da malandragem.

6. A partir dos seus conhecimentos sobre a obra Memórias de um sargento de mílicias, considere a correta a proposição de que:
A) Leonardo, abandonado pelo pai e pela mãe, pratica seus atos guiado mais pela racionalidade de suas atitudes do que pelo conflito pessoal.
B) o Rio de Janeiro construído pelo autor é constituído por elementos de diversas classes sociais.
C) a cidade do Rio de Janeiro é apresentada em seus aspectos negativos, e as personagens são, muitas vezes, ridicularizadas.
D) o romance foi publicado em formato de livro, fato bastante comum para a época.
E) recupera o tempo pós-República, quando o Brasil buscava se firmar como nação autônoma.


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