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segunda-feira, 3 de outubro de 2022

DE EMBIRA EM EMBIRA... A LEI SUPREMA DA CRIANÇA












EDUCAÇÃO, TRABALHO E LAZER – UMA REFLEXÃO SOBRE AS UTILIDADES DA EMBIRA NA ESCOLA DO CAMPO 

Trabalho em uma escola do campo. E, às vezes, gosto de escrever o que chamo de CPC: “Crônicas (audiovisuais) de um Professor do Campo”. Não faço isso tão regularmente quanto eu gostaria, mas volta e meia acontecem coisas no cotidiano da escola que chamam muito a atenção. Inda que pareçam bobas, são coisas que fazem a gente gostar do que se vê. 

Observei os usos que meus alunos fazem com a tradicional e histórica “embira”, um tipo de fibra das plantas – retirada da casca de certas árvores para a confecção de cordas, estopas etc. Uma breve research! E, embora eu não seja um exímio conhecedor desse material nem das técnicas que podem ser empregadas nele, reparei pelos menos dois usos divertidos e intrigantes por parte do meu alunado.

Estou há pouco mais de dois anos lecionando em escola pública como servidor concursado. De 2004 a 2019, professorei apenas na zona urbana de Marabá, sudeste do Pará, e, geralmente, em instituições de ensino particular. De 2020 pra cá, por se tratar de uma escola do campo, tem sido um tempo de intensos e belos aprendizados, uma constante tirada de lições sobre as dinâmicas e práticas que existem nessa linha de escola.

Antes de falar dos dois exemplos, resolvi colocar a palavra “embira” no professor de todo mundo, o Google. É de lá que, de forma resumida e adaptada, eu tirei as seguintes definições: embira é um substantivo feminino cuja designação é comum a várias árvores e arbustos que ocorrem no Brasil, sendo da família das timeleáceas, do gênero Daphnopsis e Funifera, muitas conhecidas como embira-branca; embireira, envireira – e nesta parece que as folhas são venenosas para o gado. Lá também diz que frequentemente se extraem as fibras da parte interna para a confecção de cordas e estopa[1]. E espero que tudo isso aqui seja verdade, afinal, é sob essa ótica que parti(o) a escrever, tanto quanto parto as ideias na mente “observatória” e croniqueira que me toma agora.

Em maio e junho de 2022, a Escola Municipal Carlos Marighella, situada no Assentamento 26 de Março, às proximidades da Vila Sororó (Marabá-PA), organiza e realiza o festejo junino. É uma escola do campo no formato de tempo integral. E, nesse período, entre as ações que fazem parte das atividades dos tempos pedagógicos está a “arquitetura do arraial”. Isto é, criar o espaço do evento com materiais extraídos do próprio campo. É aí que nos aparece a embira.

Na confecção das barracas, entre um tronco de planta e outro, precisamente no encontro das forquilhas com o tronco – formando-se no alto o teto –, é necessário fazer uma amarração, de modo que a estrutura fique segura. As embiras tornam-se então as cordas com que fazemos essa amarração engenhosa. Vai-se ao mato, retira-se a facão somente o suficiente para a arquitetura do arraial. Cava-se o chão, mede-se cada tronco, concatena-se bonitinho. Eis a barraquinha do bolo de milho, do mugunzá, do que precisar.

Contudo, acontece as sobras de embiras. Por serem tão extensas quanto cordas, passam a servir ao lazer dos estudantes. Filas de crianças e adolescente a brincar de pular cordas. Suas múltiplas formas de brincagem ganham vida ali. O que me faz lembrar de um certo sujeito dizendo que: “Acima de tudo”, o brinquedo é a lei suprema do pensamento infantil[2]. Embora o pensamento infantil também seja caracterizado como egocêntrico na análise piagetiana, na minha análise da meninada aos pulos e sorrisos no sol do campo, nada é mais harmonioso, coletivo e agregador que aquele momento de lazer. 

Talvez exista uma terceira reflexão a ser feita. Porém, por me parecer uma bobagem, mas não daquelas que dá gosto de ver e escrever, poupo-nos de tal. Diria que é com a sobra das embiras das barracas que se faz o brinquedo dos pequenos. E não o contrário. Em outras palavras, quem veio primeiro? O ovo ou a galinha?

 


[2] VYGOTSKY, Lev Semenovitch. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2005. pp. 15-16.

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