O que acontece no momento em que as pessoas assistem a injustiças? Quando elas presenciam a injustiça na forma de impunidade? Qual é o impacto, qual é o efeito disso em suas mentes? Eu, na maioria das vezes, fico reflexivo. Um pouco paralisado, pensando no absurdo que meus olhos veem.
Entendo que
esse impacto depende, geralmente, de múltiplos fatores: o meio, o tipo de
injustiça e meu vínculo em relação a quem, porventura, sofre com a impunidade.
Por exemplo, o
meio pelo qual essas situações ou cenas de violência, de patente injustiça,
chegam: pelo celular, pela TV. Ou quando eu presencio a ocorrência delas. Isso
mexe na minha sensação de potência ou impotência reativa perante os fatos.
Vejamos. Que
potência tenho se, ao ir à padaria, vejo a notícia de um bandido solto em
audiência de custódia, enquanto a vítima desse assassino vai para debaixo da
terra e os familiares padecem com o silêncio e a ausência de representantes dos
direitos humanos? Nenhuma, imediatamente falando.
Agora, eu
posso evitar o “sucesso” das pequenas injustiças praticadas no dia a dia, coisa
que acostuma muita gente que gosta de sair impune. Na fila do pão – a gente
precisa sair da padaria –, se vejo à minha frente uma pessoa ser atendida por
dar uma de espertinha e violar a vez de quem estava ainda mais à frente — que
chegou bem antes de nós dois: de mim, o “assistidor”, e do pentelho à frente, o
espertalhão — obviamente que a potência aumenta. Assim, podemos cobrar que o
atendente seja justo e não permita que a injustiça ocasione a impunidade.
Embora exista uma
gradação entre maior ou menor relevância social, todo um abismo entre esses
dois exemplos de impunidade, a do bandido solto dolosamente e a do espertalhão
na fila do pão, é necessário avaliarmos os efeitos da impunidade em todas as
esferas da sociedade.
Na verdade, o
impacto de cada caso vai muito além do aspecto visual. Muito além da cara que
fazemos, quer de consternados, quer de revoltados.
Quando
presencio a injustiça na forma de impunidade, todos os meus sentidos ficam num
esforço contínuo, acredito que seja para reagir, isto é, para gerenciar os
fatos que chegam até mim e como vou entender o que é a vida — ou seguir
entendendo o que é a vida a partir dali. Mais: o que vou fazer com o que é vida
ao ver que a vida também é aquela impunidade ali, na minha cara.
Sabemos que
mais um fator é a nossa relação, nossa intimidade, nosso vínculo com quem
padece a impunidade. Não posso esperar para reagir e agir, para usar a potência
que tenho, apenas quando minha relação com quem sofre injustiça seja a de quem
tem a vítima em seu campo de afeto — por motivos sanguíneos, um familiar,
afetivo-sociais, um amigo de infância, ou até filosófico-existenciais, alguém
da minha igreja, do meu partido ou da minha profissão.
Quando a
justiça não é feita, toda a sociedade sai perdendo. Quando a impunidade
torna-se a regra, as pessoas do povo passam a desacreditar nas leis, passam a
perder a confiança naqueles que deveriam executá-las.
No fim das
contas, a impunidade é um tipo de maldade que consegue ser maior que o crime
cometido. Ela torna todos nós culpados em alguma medida. Porque todos temos a
capacidade, a potência de se importar. Seja adulto, seja idoso. Até uma criança
chega a um momento da infância em que percebe que as injustiças não pertencem a
bem nenhum. E que o coleguinha merece ajuda. Justa ajuda.
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