O
que o cidadão e cidadã de Marabá esperam da nova centúria que se anuncia? Neste
mês, a cidade completa 101 anos, sorrindo com vigor do crescimento social,
cultural e econômico. Sem sombra de dúvidas, não falta fé no coração dessa
gente que quer Marabá nas alturas. Mas, além das boas expectativas, existem
preocupações.
Com
que olhos a população fita os próximos cem anos? Esperam planejamento político
e melhor atuação das autoridades? Querem paz e segurança? Aguardam mais
educação para as crianças, jovens e adultos? Desejam a prática do respeito
diante das diferenças étnicas, políticas e religiosas que cada um possui?
Grandes
empresas se instalando, investimentos bilionários divulgados e urgente preocupação
com a qualidade na formação profissional das diversas classes.
No
futuro que será vivido pelas gerações, netos dos netos dos atuais marabaenses, tudo
depende do que a população pensa e busca hoje. Ou, do que o povo deixa os
representantes pensarem e buscarem para a coletividade.
Vejamos
o que população pensa sobre a nova caminhada.
Aline
de Moraes, formada em Letras pela Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará,
é assistente comercial e moradora de Marabá há 6 anos:
“Curiosamente,
hoje, ao sair do trabalho para almoçar, me deparei com um adesivo afixado em um
carro que dizia: ‘Melhor cidade do mundo: Marabá’. A primeira coisa que passou
pela minha cabeça foi: ‘Essa pessoa deve gostar muito de Marabá’. Não que eu
não goste, pelo contrário, aprendi a amar essa cidade e hoje me considero filha
dessa terra tão hospedeira. Mas sejamos realistas, ainda temos de melhorar
muito, pois, a meu ver, educação e saúde, polos extremamente importantes na
sociedade, ainda são muito precários. Quando cito educação e saúde, não quero
dizer que nos outros aspectos a cidade está nota 10 e nem que a deficiência na
educação e na saúde é um ‘mérito’ exclusivo de Marabá. Me referi a esses dois
grandes problemas porque, para mim, são os essenciais e creio que é a partir da
manutenção deles que os encontraremos soluções para os outros problemas. Como
disse antes, problemas com a saúde e
educação não é algo específico de Marabá,
mas, como cidadãos, devemos
começar cobrando as autoridades mais próximas, neste caso, as municipais.
Pagamos muitos impostos, nada mais justo que vermos nossos
"investimentos" refletidos em benefícios para a sociedade. Mas, voltando para a frase com a qual me
deparei hoje, ela não deixa de ter o seu valor, pois essa cidade de tantas
culturas e misturas, acolhe a todos, sem distinção. Tenho esperança de que até o segundo
Centenário, a nossa cidade esteja menos violenta,
e que, daqui pra lá, os governantes invistam mais em educação, nos professores,
hoje tão discriminados e pouco valorizados! Mas, que não percamos nunca esse
espírito acolhedor para com aqueles que desejam fazer dessa cidade seu novo lar”.
“É
difícil fazer uma avaliação de cem anos, para o futuro, ainda mais quando não
se viveu nem quarenta. Mas, quando a gente olha o passado de Marabá, que
começou com a borracha, o caucho, veio o ciclo do ouro na década de 80 e
outros... E, hoje, a indústria que está um pouco parada, então, Marabá tem uma
diversidade econômica razoável. Já esteve melhor, só que vivemos dias difíceis.
Então, os desafios para o próximo centenário são muitos. Se acontecer o que foi
prometido, o derrocamento do Pedral do Lourenção, que é o que se tanto se fala
hoje, a situação da cidade é preocupante porque o progresso tem um preço. Vai
ter um crescimento vertiginoso, aceleradíssimo. A cidade ainda não tem
infraestrutura, nem hoteleira, nem de escola, diria assim, nem de hospitais. A
cidade ainda não se planejou para isso. Acredito que Marabá tem uma identidade
cultural marcada pela diversidade, temos mineiros, goianos, maranhenses... aos
milhares. Isso é histórico! E ela pode perder ainda mais essa identidade.
Porque, pode se tornar uma cidade inchada, o que os geógrafos chamam de ‘cabeça
inchada’. A quantidade de veículos são muitas e não temos espaço, porque as
ruas continuam sendo as mesmas de 40 anos atrás. A cidade não está crescendo
estruturalmente. Isso é um problema grave. Mesmo após a duplicação da Rodovia
Transamazônica. Outro problema, para os próximos cem anos, é a questão
habitacional. Em alguns aspectos, Marabá tem se tornado um favelão. São
invasões por cima de invasões. O governo já está pensando nisso, mas tem que
melhorar senão vai virar uma cidade esteticamente feia. É um bom sinal essas
casas populares que estão sendo construídas. Marabá também é privilegiada
geograficamente. Se fizermos uma comparação clássica com o dizer de que ‘todos
os caminhos levam a Roma’, a gente observa que, não todos, mas muitos caminhos
passam por Marabá. Daqui vai a todos os lugares, tanto nas rodovias quanto nas
pontes aéreas. Além disso, ela é uma cidade polo e tem que amparar os
municípios vizinhos. Até problemas de Parauapebas vem ser resolvidos em Marabá.
Enfim, são muitos desafios até chegar o próximo centenário, porém, temos grande
esperança. Como cidadão marabaense e cristão acredito que somos uma cidade
abençoada por Deus. Cidade de gente acolhedora”.
“As
expectativas são complicadas de dizer, pois, nestes cem anos que passaram, as
mudanças não foram boas e grandes. Existem cidades no Brasil, em Maranhão,
Tocantins, Paraná, e até mesmo no Norte, como no Acre e Roraima, que em
cinquenta anos se mostram bem mais desenvolvidas que Marabá. Inclusive, porque
nesta cidade funciona um centro de comércio em que passam várias rotas, aéreas,
aquáticas e rodoviárias, por isso, deveríamos estar bem melhor. Nossa cidade
tem pouco asfalto, muito buraco, bastante criminalidade e falta segurança ou
solução para os casos. Nossa água encanada é de péssima qualidade, na maior
parte do tempo. Penso que nesses cem anos crescemos muito pouco. Creio que se
dividíssemos o Pará em novos estados, diferentes, poderíamos crescer muito
mais. Só que não conseguimos essa vitória ainda. Apesar de tudo isso, penso com
sinceridade numa visão boa para o futuro da nossa cidade, que nesses próximos
cem anos, alcançaremos coisas que não foram feitas no tempo passado. Podemos
até viver duzentos anos em cem. Porém, precisamos ser bem mais críticos. Por
que o esgoto na Velha Marabá, até hoje, cai diretamente no rio e ninguém toma
conta? Por que, em todos os governos, há tantos problemas com a merenda escolar,
com a frequência dos professores? Por que o transporte para alunos não é
gratuito? Se mudarmos a nossa mentalidade e formos um pouco mais criteriosos
com o bem comum, cresceremos muito. Agora, se continuarmos assim... Temos que
nos preocupar mais com as gerações futuras. Hoje, todos os deputados sabem que
é impossível uma criança estudar e aprender com o calor que faz aqui no região norte.
Fizeram projetos para as salas de aula ter ar condicionado, só que não tem
estrutura elétrica para manter. Nem dá para refrigerar. Se ficarmos sempre
conformados que é assim e sempre foi, nada muda. Porém, se nos revoltarmos do
modo correto e tentarmos mudar, haverá o melhor futuro para nossos filhos e netos.
Senão, serão grandes favelas, grandes centros sem saneamento, a violência
centuplicada e de que é raro os jovens chegar aos vinte anos. Isso só depende
de nós. Não depende apenas dos governantes, e sim, de cada cidadão e cidadã
tomar uma posição segura, cada um mover seu pouquinho de água e, assim,
transbordaremos o rio”.
Alixa
Santos, professor da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA)
há 15 anos em Marabá:
“Sempre
vi Marabá num ritmo de desenvolvimento muito acelerado, visto como as questões
econômicas estão chegando à região. É como se houvesse um atraso e as coisas
chegassem de um boom tamanho. Vemos o
fluxo de pessoas, até mesmo umas com bastante dinheiro, outras com perspectiva
de arrumar trabalho. No campo da educação superior, a gente lutou por muito
tempo para ter uma universidade federal própria do sul e sudeste do Pará, e
hoje, está se tornando uma realidade. Claro que com muita dificuldade por causa
de cortes econômicos. E todo aquele projeto que se pensou não chegou da forma
que estava escrito. No projeto, daqui a cem anos, teremos uma universidade bem
grande, com quantidade imensa de cursos e formação de profissionais localizados
na região. Isso nos faz pensar um futuro em que possa ter, no campo da
educação, melhor qualidade de formação e que a política perceba isso, a fim de
colocar em atuação os professores com propriedade, através de concurso público,
incluindo plano de carreira. Assim teremos profissionais sérios na região. Ao
longo do tempo, isso tudo vai se estruturar e as lutas que hoje são básicas,
até de necessidades primeiras, vão se estender para outras, enfatizando a
qualidade. A interiorização da faculdade aponta para um futuro melhor. Agora
temos a UNIFESSPA em Marabá se estendendo para outros campi em Xinguara, Rondon
e estarão bem potencializados. Tendo uma visão futurista, imagino que o sul e
sudeste do Pará vai ter mais especialistas e doutores. No campo das políticas
públicas temos que priorizar esse planejamento. Acredito que já estamos
amadurecendo todas essas reflexões e nos próximos anos vamos corrigir os erros
que ainda faltam, sabendo que podem surgir novos”.
“Eu
acho que as expectativas, para o próximo centenário, só serão boas se tiver uma
boa administração das políticas públicas. Voltadas para a moradia, saneamento
básico, educação, segurança, as coisas básicas. E se a população aprender a
cobrar também. Ir atrás de todos os vereadores, dos deputados que ganharam
votos, ser participante do processo de governo. Todo cidadão e cidadã tem que
aprender e estar perto do processo de elaboração dessas políticas. E vale
lembrar que essa atitude do povo tem que ser urgente. Nós já estamos com mais
de 100 anos de história e você olha para a cidade e vê o que? Depois de um
centenário você ainda vê esgoto a céu aberto, pouco asfalto. As pessoas chegam
de fora aqui e se assustam com esgoto. Parece coisa da idade média! Quase 300
mil habitantes e essa pendenga na saúde. Pelo amor de Deus! No centro-sul, você
vê cidade com metade desse tempo e bem mais estruturada. Até no Tocantins a
gente encontra. E, principalmente, moradia que é um problema histórico aqui. Parece
que ninguém consegue controlar as invasões. É o tempo todo mais áreas sendo
invadidas. Se continuar assim, daqui a cem anos os bairros vão continuar do
mesmo jeito. Jardim Bela vista, a Folha 29... se tornaram problemas crônicos.
Tem que ter planejamento para as áreas habitáveis e que essa moradia seja
acessível ao povo, sem precisar dessas invasões. Bem, mesmo assim, tem muita
coisa boa aqui. É uma cidade com muitas possibilidades e de oportunidades para
se investir. Por exemplo, quem quer fazer investimento Marabá é uma cidade boa.
Quem vem de fora consegue ganhar dinheiro. É uma pena que muitas pessoas vem só
para explorar mesmo. Elas não vem com aquele sentimento de querer o
desenvolvimento da cidade. Daí, se dão bem e não querem nem saber do restante.
Quem tem que se preocupar mesmo com o crescimento são os moradores daqui. Os
caras vem de fora porque veem na internet que dá lucro, fazem os investimentos,
ganham muita grana, mas não estão interessados no bem na população. Enfim, é a
gente que mora aqui que tem que estar preocupado, e abraçar essa perspectiva de
cuidar melhor da cidade”.
“Nesses
anos tenho visto uma guinada na cultura local. Porque, hoje dia, vemos
compositores se manifestando, os poetas, o pessoal do teatro, da dança. Estão
tendo uma evolução, não ainda coerente ao que essa cidade merece. Mas tem
crescido. Eu acredito que, se as pessoas continuarem valorizando o que tem de
bom nessa terra, e a prova está ai, muitos artistas desabrochando, mostrando,
eu acho que a tendência é melhorar. Assim também temos que criar política de
conservação, de tradicionalização para que Marabá comemore o novo centenário,
porém, viva também as tradições e culturas do centenário anterior. Acredito que
isso forma a raiz dessa cidade. Outra questão que, por certa perspectiva, tenha
muita dó em relação as próximas gerações que vão surgir nessa cidade, tem a ver
com a questão ambiental. Porque, estão acabando com tudo por aqui. Muitas
inspirações que tivemos aqui pode ser que os futuros artistas não tenham mais. Tudo
por conta dessa destruição, dessa sede por um pseudo-progresso, que ninguém
sabe se realmente vai ser bom para a cidade. É derrocamento do rio,
desmatamento daquilo, são as pessoas burlando as leis dos homens e, cada vez, caindo
no julgamento natural. Burlam a mera lei humana e são sentenciados pela
natureza. Penso que tem que haver uma conscientização. Tem muita gente que acha
bonito defender a natureza, mas não sabe o que é isso. É só porque está na
moda! Vejo muita gente criticando a mineradora aqui, as indústrias siderúrgicas
e a exploração do garimpo de Serra Pelada... E ai, quando a gente vai ver, os
caras estão estudando engenharia com sonho de trabalhar na Vale. Tem que ter
uma causa, uma influência positiva, para que realmente haja um protesto contra
esse modelo de progresso. Não adiante eu me manifestar a favor do verde com um
galho de árvore na mão. E a cultura tem uma tendência melhorar por causa desses
compositores conscientes. Tem muita gente que não vem aqui para explorar,
lucrar e depois vazam. E nós? O que vamos ter para contar aos nossos filhos e
aos nossos fãs? Temos que propagar a preservação. A vida arte vive nesse meio,
entre a exploração e preservação. Ninguém sabe se quem está patrocinando, está
explorando, ou se quem está fazendo arte, está preservando. Eu faço parte desse
povo e quero o melhor para ele. E tenho esperança de quem ouve nossa poesia
recebe um recado de alerta nosso”.
“Existe
algumas coisas que temos de pontuar. Como será Marabá culturalmente daqui a cem
anos? Nós sabemos que a cultura e as manifestações culturais carecem de
determinadas ações do governo, do chamado sistema. Isso é imprescindível. Os
governos devem fomentar as manifestações culturais legítimas em suas fontes. E
nesse ponto não temos uma perspectiva de futuro muito clara. Na verdade, a
política local é mais para eventos culturais do que para as manifestações em
si. Uma coisa chama mais atenção e a outra menos. As manifestações começam ali,
do povo, e não chamam tanta atenção. Elas precisam de tempo e do exercício
daquele fazer para que venham se transformar em cultura de fato. Já os eventos
é uma forma de reunir grandes massas. Outro ponto, tem a ver com os engodos que
o sistema está produzindo. Os megaprojetos como derrocagem, hidrovias, e pelo
que a gente sabe, esses projetos beneficiam mais um pequeno grupo de
empresários. Diz que cria tantos mil empregos, só que na realidade não é. Esses
empregos são temporários, só no período de montar a infraestrutura. Mas depois
que carece de mão de obra especializada, nós não temos isso. Então, aqueles
milhares de empregados formam bolsões de pobreza na cidade. Assim, esse modelo
de projeto eu vejo como um grande ‘desavanço’ em relação ao meio ambiente. Porque,
coisas simples como banhar no rio, um dia ninguém mais vai poder fazer isso.
Haverá grandes barcos atravessando o rio, descaracterizando tudo. Aliás, muitas
partes ao longo do rio se tornam áreas de segurança, onde ninguém pode banhar. Agora,
os marabaenses é tipo de pessoa esperançosa. O cidadão genuíno daqui é um misto
de nordestino com baiano, piauiense e todas essas pessoas que vieram nos ciclos
da castanha, da borracha, do ouro... então, isso deixa um resíduo genético que
vai formando esse mosaico de ‘marabanês’. Gente que fala ‘tafularia’, ‘deixe de
perrengue’, coisas que significado está lá no dicionário de outros estados. E
esse vocabulário é uma das poucas referências culturais que temos. Poucos
colocam a boca no mundo. Quem tenta falar acaba sendo calado pela grande mídia
nacional que quer ditar. É tão fácil você ouvir dez vezes no dia o ‘lepo, lepo’
do que uma ‘roda d’água’ de Clauber ou ‘ave de arribação’ de Ravier. Daí as
pessoas nçao conhecem e nunca vão gostar daquilo que não conhecem. Tem que
fomentar essa base cultural urgentemente. Não podemos perder nossa identidade
cultural. Tínhamos tanta coisa nessas ruas de Marabá que não se vê mais. A
universidade tem uma parcela de culpa, pois, isso tem que ser estudado aqui,
registrado. Levar isso para as comunidades e dar pequenas palestras lá. Só a
arte e a cultura tem valor existencial e criam aquela sensação de
pertencimento, que nos dá orgulho de Marabá. Não podemos perder isso até o
próximo centenário. Os marabaenses tem que se cultivar".