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quarta-feira, 2 de abril de 2014

RUMO A UM NOVO CENTENÁRIO - O que os marabaenses esperam dos próximos 100 anos?


O que o cidadão e cidadã de Marabá esperam da nova centúria que se anuncia? Neste mês, a cidade completa 101 anos, sorrindo com vigor do crescimento social, cultural e econômico. Sem sombra de dúvidas, não falta fé no coração dessa gente que quer Marabá nas alturas. Mas, além das boas expectativas, existem preocupações.
Com que olhos a população fita os próximos cem anos? Esperam planejamento político e melhor atuação das autoridades? Querem paz e segurança? Aguardam mais educação para as crianças, jovens e adultos? Desejam a prática do respeito diante das diferenças étnicas, políticas e religiosas que cada um possui?
Grandes empresas se instalando, investimentos bilionários divulgados e urgente preocupação com a qualidade na formação profissional das diversas classes.
No futuro que será vivido pelas gerações, netos dos netos dos atuais marabaenses, tudo depende do que a população pensa e busca hoje. Ou, do que o povo deixa os representantes pensarem e buscarem para a coletividade.
Vejamos o que população pensa sobre a nova caminhada.

Aline de Moraes, formada em Letras pela Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, é assistente comercial e moradora de Marabá há 6 anos:

“Curiosamente, hoje, ao sair do trabalho para almoçar, me deparei com um adesivo afixado em um carro que dizia: ‘Melhor cidade do mundo: Marabá’. A primeira coisa que passou pela minha cabeça foi: ‘Essa pessoa deve gostar muito de Marabá’. Não que eu não goste, pelo contrário, aprendi a amar essa cidade e hoje me considero filha dessa terra tão hospedeira. Mas sejamos realistas, ainda temos de melhorar muito, pois, a meu ver, educação e saúde, polos extremamente importantes na sociedade, ainda são muito precários. Quando cito educação e saúde, não quero dizer que nos outros aspectos a cidade está nota 10 e nem que a deficiência na educação e na saúde é um ‘mérito’ exclusivo de Marabá. Me referi a esses dois grandes problemas porque, para mim, são os essenciais e creio que é a partir da manutenção deles que os encontraremos soluções para os outros problemas. Como disse antes,  problemas com a saúde e educação não é algo específico de Marabá,  mas, como cidadãos,  devemos começar cobrando as autoridades mais próximas, neste caso, as municipais. Pagamos muitos impostos, nada mais justo que vermos nossos "investimentos" refletidos em benefícios para a sociedade.  Mas, voltando para a frase com a qual me deparei hoje, ela não deixa de ter o seu valor, pois essa cidade de tantas culturas e misturas, acolhe a todos, sem distinção.  Tenho esperança de que até o segundo Centenário,  a nossa cidade esteja menos violenta, e que, daqui pra lá, os governantes invistam mais em educação, nos professores, hoje tão discriminados e pouco valorizados! Mas, que não percamos nunca esse espírito acolhedor para com aqueles que desejam fazer dessa cidade seu novo lar”. 

Pastor Ronisteu Araújo, pedagogo e escritor, residente em Marabá há 35 anos:

“É difícil fazer uma avaliação de cem anos, para o futuro, ainda mais quando não se viveu nem quarenta. Mas, quando a gente olha o passado de Marabá, que começou com a borracha, o caucho, veio o ciclo do ouro na década de 80 e outros... E, hoje, a indústria que está um pouco parada, então, Marabá tem uma diversidade econômica razoável. Já esteve melhor, só que vivemos dias difíceis. Então, os desafios para o próximo centenário são muitos. Se acontecer o que foi prometido, o derrocamento do Pedral do Lourenção, que é o que se tanto se fala hoje, a situação da cidade é preocupante porque o progresso tem um preço. Vai ter um crescimento vertiginoso, aceleradíssimo. A cidade ainda não tem infraestrutura, nem hoteleira, nem de escola, diria assim, nem de hospitais. A cidade ainda não se planejou para isso. Acredito que Marabá tem uma identidade cultural marcada pela diversidade, temos mineiros, goianos, maranhenses... aos milhares. Isso é histórico! E ela pode perder ainda mais essa identidade. Porque, pode se tornar uma cidade inchada, o que os geógrafos chamam de ‘cabeça inchada’. A quantidade de veículos são muitas e não temos espaço, porque as ruas continuam sendo as mesmas de 40 anos atrás. A cidade não está crescendo estruturalmente. Isso é um problema grave. Mesmo após a duplicação da Rodovia Transamazônica. Outro problema, para os próximos cem anos, é a questão habitacional. Em alguns aspectos, Marabá tem se tornado um favelão. São invasões por cima de invasões. O governo já está pensando nisso, mas tem que melhorar senão vai virar uma cidade esteticamente feia. É um bom sinal essas casas populares que estão sendo construídas. Marabá também é privilegiada geograficamente. Se fizermos uma comparação clássica com o dizer de que ‘todos os caminhos levam a Roma’, a gente observa que, não todos, mas muitos caminhos passam por Marabá. Daqui vai a todos os lugares, tanto nas rodovias quanto nas pontes aéreas. Além disso, ela é uma cidade polo e tem que amparar os municípios vizinhos. Até problemas de Parauapebas vem ser resolvidos em Marabá. Enfim, são muitos desafios até chegar o próximo centenário, porém, temos grande esperança. Como cidadão marabaense e cristão acredito que somos uma cidade abençoada por Deus. Cidade de gente acolhedora”.

Emerson Tiago Souza Silva, 26 anos, morador do Bairro Independência e natural de Marabá:
“As expectativas são complicadas de dizer, pois, nestes cem anos que passaram, as mudanças não foram boas e grandes. Existem cidades no Brasil, em Maranhão, Tocantins, Paraná, e até mesmo no Norte, como no Acre e Roraima, que em cinquenta anos se mostram bem mais desenvolvidas que Marabá. Inclusive, porque nesta cidade funciona um centro de comércio em que passam várias rotas, aéreas, aquáticas e rodoviárias, por isso, deveríamos estar bem melhor. Nossa cidade tem pouco asfalto, muito buraco, bastante criminalidade e falta segurança ou solução para os casos. Nossa água encanada é de péssima qualidade, na maior parte do tempo. Penso que nesses cem anos crescemos muito pouco. Creio que se dividíssemos o Pará em novos estados, diferentes, poderíamos crescer muito mais. Só que não conseguimos essa vitória ainda. Apesar de tudo isso, penso com sinceridade numa visão boa para o futuro da nossa cidade, que nesses próximos cem anos, alcançaremos coisas que não foram feitas no tempo passado. Podemos até viver duzentos anos em cem. Porém, precisamos ser bem mais críticos. Por que o esgoto na Velha Marabá, até hoje, cai diretamente no rio e ninguém toma conta? Por que, em todos os governos, há tantos problemas com a merenda escolar, com a frequência dos professores? Por que o transporte para alunos não é gratuito? Se mudarmos a nossa mentalidade e formos um pouco mais criteriosos com o bem comum, cresceremos muito. Agora, se continuarmos assim... Temos que nos preocupar mais com as gerações futuras. Hoje, todos os deputados sabem que é impossível uma criança estudar e aprender com o calor que faz aqui no região norte. Fizeram projetos para as salas de aula ter ar condicionado, só que não tem estrutura elétrica para manter. Nem dá para refrigerar. Se ficarmos sempre conformados que é assim e sempre foi, nada muda. Porém, se nos revoltarmos do modo correto e tentarmos mudar, haverá o melhor futuro para nossos filhos e netos. Senão, serão grandes favelas, grandes centros sem saneamento, a violência centuplicada e de que é raro os jovens chegar aos vinte anos. Isso só depende de nós. Não depende apenas dos governantes, e sim, de cada cidadão e cidadã tomar uma posição segura, cada um mover seu pouquinho de água e, assim, transbordaremos o rio”.

Alixa Santos, professor da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA) há 15 anos em Marabá:
“Sempre vi Marabá num ritmo de desenvolvimento muito acelerado, visto como as questões econômicas estão chegando à região. É como se houvesse um atraso e as coisas chegassem de um boom tamanho. Vemos o fluxo de pessoas, até mesmo umas com bastante dinheiro, outras com perspectiva de arrumar trabalho. No campo da educação superior, a gente lutou por muito tempo para ter uma universidade federal própria do sul e sudeste do Pará, e hoje, está se tornando uma realidade. Claro que com muita dificuldade por causa de cortes econômicos. E todo aquele projeto que se pensou não chegou da forma que estava escrito. No projeto, daqui a cem anos, teremos uma universidade bem grande, com quantidade imensa de cursos e formação de profissionais localizados na região. Isso nos faz pensar um futuro em que possa ter, no campo da educação, melhor qualidade de formação e que a política perceba isso, a fim de colocar em atuação os professores com propriedade, através de concurso público, incluindo plano de carreira. Assim teremos profissionais sérios na região. Ao longo do tempo, isso tudo vai se estruturar e as lutas que hoje são básicas, até de necessidades primeiras, vão se estender para outras, enfatizando a qualidade. A interiorização da faculdade aponta para um futuro melhor. Agora temos a UNIFESSPA em Marabá se estendendo para outros campi em Xinguara, Rondon e estarão bem potencializados. Tendo uma visão futurista, imagino que o sul e sudeste do Pará vai ter mais especialistas e doutores. No campo das políticas públicas temos que priorizar esse planejamento. Acredito que já estamos amadurecendo todas essas reflexões e nos próximos anos vamos corrigir os erros que ainda faltam, sabendo que podem surgir novos”.

Luciene Medeiros é formada na Universidade Federal do Pará (UFPA) e mora há 25 anos em Marabá:
“Eu acho que as expectativas, para o próximo centenário, só serão boas se tiver uma boa administração das políticas públicas. Voltadas para a moradia, saneamento básico, educação, segurança, as coisas básicas. E se a população aprender a cobrar também. Ir atrás de todos os vereadores, dos deputados que ganharam votos, ser participante do processo de governo. Todo cidadão e cidadã tem que aprender e estar perto do processo de elaboração dessas políticas. E vale lembrar que essa atitude do povo tem que ser urgente. Nós já estamos com mais de 100 anos de história e você olha para a cidade e vê o que? Depois de um centenário você ainda vê esgoto a céu aberto, pouco asfalto. As pessoas chegam de fora aqui e se assustam com esgoto. Parece coisa da idade média! Quase 300 mil habitantes e essa pendenga na saúde. Pelo amor de Deus! No centro-sul, você vê cidade com metade desse tempo e bem mais estruturada. Até no Tocantins a gente encontra. E, principalmente, moradia que é um problema histórico aqui. Parece que ninguém consegue controlar as invasões. É o tempo todo mais áreas sendo invadidas. Se continuar assim, daqui a cem anos os bairros vão continuar do mesmo jeito. Jardim Bela vista, a Folha 29... se tornaram problemas crônicos. Tem que ter planejamento para as áreas habitáveis e que essa moradia seja acessível ao povo, sem precisar dessas invasões. Bem, mesmo assim, tem muita coisa boa aqui. É uma cidade com muitas possibilidades e de oportunidades para se investir. Por exemplo, quem quer fazer investimento Marabá é uma cidade boa. Quem vem de fora consegue ganhar dinheiro. É uma pena que muitas pessoas vem só para explorar mesmo. Elas não vem com aquele sentimento de querer o desenvolvimento da cidade. Daí, se dão bem e não querem nem saber do restante. Quem tem que se preocupar mesmo com o crescimento são os moradores daqui. Os caras vem de fora porque veem na internet que dá lucro, fazem os investimentos, ganham muita grana, mas não estão interessados no bem na população. Enfim, é a gente que mora aqui que tem que estar preocupado, e abraçar essa perspectiva de cuidar melhor da cidade”.

Clauber Martins, cantador e morador do Bairro Novo Horizonte, vivendo em Marabá há dez anos:  
“Nesses anos tenho visto uma guinada na cultura local. Porque, hoje dia, vemos compositores se manifestando, os poetas, o pessoal do teatro, da dança. Estão tendo uma evolução, não ainda coerente ao que essa cidade merece. Mas tem crescido. Eu acredito que, se as pessoas continuarem valorizando o que tem de bom nessa terra, e a prova está ai, muitos artistas desabrochando, mostrando, eu acho que a tendência é melhorar. Assim também temos que criar política de conservação, de tradicionalização para que Marabá comemore o novo centenário, porém, viva também as tradições e culturas do centenário anterior. Acredito que isso forma a raiz dessa cidade. Outra questão que, por certa perspectiva, tenha muita dó em relação as próximas gerações que vão surgir nessa cidade, tem a ver com a questão ambiental. Porque, estão acabando com tudo por aqui. Muitas inspirações que tivemos aqui pode ser que os futuros artistas não tenham mais. Tudo por conta dessa destruição, dessa sede por um pseudo-progresso, que ninguém sabe se realmente vai ser bom para a cidade. É derrocamento do rio, desmatamento daquilo, são as pessoas burlando as leis dos homens e, cada vez, caindo no julgamento natural. Burlam a mera lei humana e são sentenciados pela natureza. Penso que tem que haver uma conscientização. Tem muita gente que acha bonito defender a natureza, mas não sabe o que é isso. É só porque está na moda! Vejo muita gente criticando a mineradora aqui, as indústrias siderúrgicas e a exploração do garimpo de Serra Pelada... E ai, quando a gente vai ver, os caras estão estudando engenharia com sonho de trabalhar na Vale. Tem que ter uma causa, uma influência positiva, para que realmente haja um protesto contra esse modelo de progresso. Não adiante eu me manifestar a favor do verde com um galho de árvore na mão. E a cultura tem uma tendência melhorar por causa desses compositores conscientes. Tem muita gente que não vem aqui para explorar, lucrar e depois vazam. E nós? O que vamos ter para contar aos nossos filhos e aos nossos fãs? Temos que propagar a preservação. A vida arte vive nesse meio, entre a exploração e preservação. Ninguém sabe se quem está patrocinando, está explorando, ou se quem está fazendo arte, está preservando. Eu faço parte desse povo e quero o melhor para ele. E tenho esperança de quem ouve nossa poesia recebe um recado de alerta nosso”.

Ravier Di Mar-y-abá, instrumentista e cantor local, que reside no Bairro Amapá:

“Existe algumas coisas que temos de pontuar. Como será Marabá culturalmente daqui a cem anos? Nós sabemos que a cultura e as manifestações culturais carecem de determinadas ações do governo, do chamado sistema. Isso é imprescindível. Os governos devem fomentar as manifestações culturais legítimas em suas fontes. E nesse ponto não temos uma perspectiva de futuro muito clara. Na verdade, a política local é mais para eventos culturais do que para as manifestações em si. Uma coisa chama mais atenção e a outra menos. As manifestações começam ali, do povo, e não chamam tanta atenção. Elas precisam de tempo e do exercício daquele fazer para que venham se transformar em cultura de fato. Já os eventos é uma forma de reunir grandes massas. Outro ponto, tem a ver com os engodos que o sistema está produzindo. Os megaprojetos como derrocagem, hidrovias, e pelo que a gente sabe, esses projetos beneficiam mais um pequeno grupo de empresários. Diz que cria tantos mil empregos, só que na realidade não é. Esses empregos são temporários, só no período de montar a infraestrutura. Mas depois que carece de mão de obra especializada, nós não temos isso. Então, aqueles milhares de empregados formam bolsões de pobreza na cidade. Assim, esse modelo de projeto eu vejo como um grande ‘desavanço’ em relação ao meio ambiente. Porque, coisas simples como banhar no rio, um dia ninguém mais vai poder fazer isso. Haverá grandes barcos atravessando o rio, descaracterizando tudo. Aliás, muitas partes ao longo do rio se tornam áreas de segurança, onde ninguém pode banhar. Agora, os marabaenses é tipo de pessoa esperançosa. O cidadão genuíno daqui é um misto de nordestino com baiano, piauiense e todas essas pessoas que vieram nos ciclos da castanha, da borracha, do ouro... então, isso deixa um resíduo genético que vai formando esse mosaico de ‘marabanês’. Gente que fala ‘tafularia’, ‘deixe de perrengue’, coisas que significado está lá no dicionário de outros estados. E esse vocabulário é uma das poucas referências culturais que temos. Poucos colocam a boca no mundo. Quem tenta falar acaba sendo calado pela grande mídia nacional que quer ditar. É tão fácil você ouvir dez vezes no dia o ‘lepo, lepo’ do que uma ‘roda d’água’ de Clauber ou ‘ave de arribação’ de Ravier. Daí as pessoas nçao conhecem e nunca vão gostar daquilo que não conhecem. Tem que fomentar essa base cultural urgentemente. Não podemos perder nossa identidade cultural. Tínhamos tanta coisa nessas ruas de Marabá que não se vê mais. A universidade tem uma parcela de culpa, pois, isso tem que ser estudado aqui, registrado. Levar isso para as comunidades e dar pequenas palestras lá. Só a arte e a cultura tem valor existencial e criam aquela sensação de pertencimento, que nos dá orgulho de Marabá. Não podemos perder isso até o próximo centenário. Os marabaenses tem que se cultivar". 

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