Coragem e a consciência da morte
Anderson Damasceno
Dizem que é a única certeza. Ela,
a morte. Porém, penso que quem afirma tal coisa empobrece em muito o que podemos
tirar dela. Colher dela. A coragem é um fruto que se colhe d’uma árvore
plantada na consciência nossa, a morte.
Talvez, seja o hábito de não
enxergar a tácita realidade que torna a grande maioria das pessoas incapazes de
ver as riquezas, esperando ser catadas pelos olhos e mãos de quem se esforça. O
fato é que vale a pena o esforço, e a lucidez é imprescindível.
Nada é mais lúcido que a alma
corajosa de morte. Sei que podemos encontrar a coragem que brota na sega do
amor e da esperança. Destas, geram-se frutos eternos. Mas, quero colher também
um fruto na morte desta vida.
E a colheita é assim... primeiramente,
vem algum espanto.
É impressionante como uma
reflexão sobre o fim dos nossos dias pode resultar num rompante de coragem pela
vida afora. Em um momento de crise, ou à beira de uma tragédia anunciada, essa ciência
de que aqui somos finitos possibilita pensar nossos atos, e aproveitar o tempo,
de maneira que o caos seja, inevitavelmente, menor que aquilo que planejamos
para o nosso mundo pessoal.
Acredito que neste ponto é valido
revelar a que essa coragem, colhida do fim, nos presta. A que se enfrenta? Ela
se nos serve para o enfrentamento do inimigo real, o gerador da crise e
tragédia, que no início, quando o caos era ausência, se valeu da tua própria
mão, inocente e cega pelo prazer, para hoje trazer dilúvios ao teu dia.
Falo do inimigo que te tirou o
mundo pessoal, valendo-se exatamente do mal que habita em ti e, brincalhão,
esqueceste de vigiar. Acaso há mal maior do que o praticado pela mente engenhosa
de quem, desde o princípio, usou teu vacilo como trevas?
Por isso, só com teus olhos
fincados na morte, naquilo que é o fim, é que encontrarás força tamanha para
que teus atos voltem a ser puros e justos. A dor que ora te abate, filho meu e
filha minha, é o suficiente para te mostrar que também está na hora de colher a
coragem da morte, a fim de que a vida tenha sido indesperdiçável.