Não vou morrer sem dizer que os lugares por onde mais andei não tinham chão. Eram caminhos de vento e meus pés sujos. Ora tinham forma, enredo de sonhos, ora eu simplesmente os esquecia... sem saber o porquê.
Acho que eram lugares que se moviam. Que
também tinham pés. Partiam como se fossem compor enredos dentro de algum
esquecido nunca-mais. Dentro de outras crianças e adultos, mais testemunhas de seus
esquecidos nunca-mais.
Eu esquecia, talvez, acreditando que em
algum momento eles voltariam a me visitar. Seria gostoso andar por eles de
novo. Afinal, eram meus. Eram eus. Na verdade, eu é quem seria quem os novamente
poria os pés. Faria novas andanças, sujaria ainda mais os pés.
Ledo engano... Depois que as
fantasias aportam em nosso cais e zarpam, segue-se diante delas uma mar de esquecimento.
Mas, recordo que fui fondo...
Viajei por novos lugares, pelas sombras do imaginado. Caminhei em fantasias de
videogame, em arquétipos de filmes e até em ficções da TV aberta. Mas as
grandes viagens não foram essas de produtos de massa. Salve a elas. Mas não
foram.
Os caminhos mais intermináveis pelos quais
percorri nunca tiveram fim. Não dado por mim. Porém, tiveram seus pontos finais
das mais variadas formas. Para atender alguém no videogame, vida de trabalhador,
ou para atender ao chamamento de alguém da família.
Quantas vezes eu estava brincando de
pensar, miguilineando, e o corte do sonho veio, abrupto, até por um pássaro que
o olhar pegava, involuntário, impressionável. E devo isso a mim. Contemplado de
pássaros. Devo lembrar que muitas vezes esses bichos de asas foram os pontos
finais de algum bicho-sonho que me instava.
Tiveram muitos buracos que foram abertos,
entradas para algum tipo de nunca-saberei, que só lembro de ter neles caído.
Não importava o lugar: durante a aula no ensino médio ou faculdade, trocando um
CD no Play 1, chegando em casa de um evangelismo ou aguardando que copiassem a
lição de Filosofia da Arte no quadro. Eu... tudo, dando certo ou errado. Sentado,
rodeado de barulhos, ouvindo os silêncios de uma nova queda.
Talvez, eu escreva essas linhas na esperança
de nunca me permitir não lembrar. Devo a mim lembrar: que todas as vezes que
dei saltos no imaginado solitário, voluntarioso, eu estava abrindo ali os
sonhos do distante. Como alma que procura vida... com uma vida procura a alma.
E como procura. Desde a criança no fliperama
ao servidor público que ama sua fé, a caminhada segue sua quilometragem. Eu me
tive pelos caminhos do imaginado. Vivi as travessias dos sonhos de quem dorme
acordado. Quem sabe ficaram tatuadas na tábua do coração. Contudo, perdoem-me o
prefixo, inxergáveis são. Acho que, embora perdidas de mim, um dia foram
minhas: suas geografias, suas histórias, suas filosofias, todas as linguagens
do onde-não-se-andei.
Fato é! Foi pensado, logo, foi sentido! Não
contei suas horas, não escrevi as tantas fantasias que me levavam embora, longínquas,
mas todas tão dentro de mim, entijolando a mente. A todas elas que nunca dei
nome, saibam: elas foram embora, contudo, foram elas que me levaram pra mais
perto de mim.