Eu, professor Anderson Damasceno,
fiz uma breve pesquisa acerca do romance “Dias e Dias”, de Ana Miranda, uma das
três cobradas no vestibular PAES 2018 - Processo Seletivo de Acesso à Educação
Superior, realizado pela UEMA (Universidade Estadual do Maranhão), no dia 22 de outubro. O material
inclui um pequeno questionário sobre essa obra. O gabarito está nos
comentários. Bom estudo e sucesso pra vocês vestibulandos!
DIAS E DIAS
Nasceu Ana Maria Nóbrega Miranda em
Fortaleza, Ceará e cresceu no Rio e em Brasília. A partir de 1969 radicou-se no
Rio de Janeiro e em 2001 mudou-se para São Paulo. Enquanto estava casada com o
ator Arduino Colasanti, trabalhou em filmes do cinema novo brasileiro entre
1971 e 1979. Dirigiu o Instituto de Artes da Funarte e foi editora chefe dessa
instituição, entre 1977 e 1983. Recebeu
formação na área de artes plásticas, cursando o Instituto Central de Artes
da Universidade de Brasília. E era desenhista, ilustrando as capas de seus
livros. Teve formação literária com o
escritor Rubem Fonseca, entre 1979 e 1989. Em 2006 voltou a morar no Ceará.
Uma breve apresentação da obra “Dias e
dias”, autoria de Ana Miranda, livro vencedor do prêmio Jabuti 2003. A história
reúne três personagens centrais: Feliciana, uma jovem sonhadora e obstinada; o
poeta romântico Antonio Gonçalves Dias, por quem ela nutre longa e intensa
paixão, e o sabiá - não um sabiá específico, mas a espécie inteira, que na
"Canção do exílio" simboliza a pátria distante. Isso tudo marca o
texto com uma rica trama intertextual.
A prática intertextual é um recurso
utilizado em diversas situações que envolvem a escrita/leitura de textos. No
que se refere à criação do texto literário, é comum vermos os escritores, ao
construírem seus textos, inserirem nos mesmos algo que outrora já foi dito. Também
é comum encontrarmos, nas obras de Miranda, menção a outros escritores, uma vez
que essa prática da escritora já se tornou bastante
conhecida pelo seu público.
A estratégia intertextual permite a
Miranda escrever um livro a partir de Gonçalves Dias, um romance polifônico, num diálogo crescente e constante entre textos.
A narrativa combina história e ficção para contar uma história sobre o amor, os
costumes provincianos no interior do Brasil (séc. XIX), a descoberta da cultura indígena, a beleza da poesia e os mistérios da
sensibilidade. Estes elementos, que configuram o Romantismo brasileiro, são
retomado pelo romance contemporâneo.
No romance, Feliciana toma
conhecimento da vida íntima de Gonçalves Dias por meio das cartas enviadas pelo
poeta a seu grande amigo Alexandre Teófilo de Carvalho Leal. Mostradas a
Feliciana por Maria Luíza, esposa de Teófilo, as cartas registram muitas das
questões existenciais do poeta. Feliciana descreve de forma emocionante a
paixão que as cartas alimentam, e seu relato revela refinamentos da alma
feminina. A trama tecida pela autora faz com que o leitor se identifique com
Feliciana, uma mulher que desvenda o que sente por meio da escrita e da memória.
As personas menores - o pai de Feliciana, colecionador de sabiás; Adelino, um tímido
professor apaixonado por Feliciana, e Natalícia, a doce e severa preceptora -
conferem ao livro uma grande riqueza
humana.
Gonçalves Dias (1823-1864) é o
principal nome da poesia romântica brasileira. Além de "Canção do
exílio", compôs os principais poemas da vertente indigenista do
romantismo, entre eles "I-Juca-Pirama" e "Leito de folhas verdes".
A autora escreve um romance no qual insere marcas biográficas do poeta, bem
como passagens de algumas obras. Cabe ao leitor identificar esses trechos
pertencentes a Dias.
Com uma narrativa clara e simples, reproduzindo a linguagem do romantismo,
Ana Miranda recorda mais uma vez a vida de um de nossos poetas - como fez
também com Gregório de Matos em Boca do
Inferno -, levando o leitor a uma viagem de encantamento linguístico e
conhecimento histórico.
INTERTEXTUALIDADE
Sabemos que a repetição (de um texto
por outro, de um fragmento em um texto, etc.) nunca é inocente. Nem a colagem
nem a alusão e, muito menos, a paródia. Toda
repetição está carregada de uma intencionalidade certa: quer dar
continuidade ou quer modificar, quer subverter, enfim, quer atuar com relação
ao texto antecessor. A verdade é que a repetição, quando acontece, sacode a
poeira do texto anterior, atualiza-o, renova-o e (por que não dizê-lo?) o
re-inventa.
A literatura comparada deixa então de
estudar apenas as igualdades existentes entre duas obras e passa a vê-las com
uma forma de investigação e
interpretação de fatores mais gerais como os aspectos sociais, políticos e
culturais que fazem parte da história vivida pelos leitores.
O fator histórico tem a sua
importância, uma vez que contribui para que o autor relacione o contexto social
vivido no texto literário. O autor vive
na história e a sociedade se escreve no texto. O autor então, a partir das
leituras dos seus antecedentes, insere em seu texto a sua visão, preservando a
do outro e inserindo novas ideias.
ANÁLISE DE DIAS E DIAS
Podemos
identificar na obra como a primeira presença de intertextualidade explícita, a epígrafe, pois a autora já começa
apresentando no prefácio de sua obra, um trecho de um dos poemas mais
conhecidos de Dias, Canção do exílio. “[...] Nosso céu tem mais estrelas/
Nossas várzeas têm mais flores/ Nossos bosques têm mais vida/ Nossa vida mais
amores. [...]”. A narrativa apresenta uma história de amor que por um motivo
trágico não pôde se concretizar. O personagem Antônio, é descrito ao longo da
narrativa como o próprio Gonçalves Dias, pois os acontecimentos por ele vividos
são os mesmos que ocorreram na vida de Dias.
Feliciana começa descrevendo como
começou a sua paixão por Antônio. É nesse momento que podemos identificar a
poesia Olhos Verdes, de Dias,
colocada na história do casal. Ela vai comprar feijão verde na venda do pai de
Antônio e quem está na venda é o próprio Antônio. Na embalagem utilizada para
colocar o feijão, havia um poema falando da paixão por uma moça que tinha os
olhos verdes. A protagonista descobre e começa a criar expectativas. Mesmo sem
ter os olhos verdes, Feliciana decide acreditar que aquele poema tinha sido
feito para ela.
Para mostrar aquilo que Dias escrevia
sobre o índio e o seu universo, Miranda utiliza outro recurso intertextual, a referência.
“Só descobri que eram belos os índios,
seus adornos, seus costumes, quando li as composições de Antônio, “I-Juca
Pirama”, “Leito das folhas verdes”, “Marabá”, tão encantadoramente líricas, que
falam no índio gentil, nos moços inquietos enamorados da festa, índios que às
vezes são rudos e severos mas atendem meigos à voz do cantor,[...] tudo o que
escreve Antônio em suas composições deixa-me afundada como a flor de “Não me
deixes”! (MIRANDA, 2002, p. 30)
Atividades 1
1. [...] ele aprendeu a casar o pensamento com o
sentimento, o coração com o entendimento, a ideia com a paixão, a colorir o
mundo com sua imaginação, a fundir tudo isso com a vida e com a natureza, a
purificar as coisas com o sentimento da religião e da divindade, a descobrir o
espírito que o levaria pela vida, a santa Poesia, como ele mesmo diz no prólogo
de seu primeiro livro, os Primeiros
Cantos.
MIRANDA, Ana. Dias
e Dias 2002, p.49
A partir do excerto, é correto afirmar que:
a) no prólogo do livro citado, Antonio Gonçalves Dias
escreve em terceira pessoa, enquanto a personagem utiliza a primeira.
b) através de um processo parafrástico, a narradora utiliza
as palavras que Dias escreveu no prólogo do seu primeiro livro Primeiros Cantos.
c) para construir sua epígrafe, Feliciana utiliza-se da
fala original do outro personagem, compondo uma narrativa intertextual.
d) mesmo sendo utilizadas as mesmas palavras em ambas as
obras, podemos verificar que em cada obra o sentido não será distinto.
e) em Primeiros
Cantos, o trecho citado faz uma espécie de introdução à obra, e em Dias e Dias esse mesmo trecho serve para
compor a vida do personagem Antônio, retratada aos olhos de Feliciana.
2. [...] olhos tão
negros, tão belos, tão puros, de vivo luzir, estrelas incertas, que as águas
dormentes do mar vão ferir; olhos tão negros, tão belos, tão puros, tão meiga
expressão, mais doce que a brisa, - mais doce que o nauta de noite cantando,-
mais doce que a frauta quebrando a solidão, esses os olhos de Ana Amélia
vistos pelos olhos apaixonados de Antônio [...].
MIRANDA, Ana. Dias
e Dias 2002, p. 133.
Nesse fragmento, a autora, Ana Miranda, usa o poema Seus Olhos, de Gonçalves Dias, para
retratar a visão de Feliciana sobre a personagem Ana Amélia. O recurso aplicado
na construção do texto exemplifica o seguinte tipo de intertextualidade:
a) citação.
b) alusão.
c) bricolagem.
d) paráfrase.
e) pastiche.
Textos para as questões 3 e 4.
Texto I
[...] mas eu olhava as margens correndo aos meus olhos e
esquecia meus remorsos, tudo me fascinava, a Barriguda, o moinho, a ave
assustada, o romper d’alva, os chumaços de folhas de palmeira indaiá que os
marujos punham no casco do barco para ajudar na flutuação, o amarrar a barcaça
com cordas às árvores para controlar a rapidez da descida e a fim de manter a
embarcação na parte que se podia navegar, um estreito canal bem no meio do rio,
oh como o mundo era imprevisto. Eu nem merecia isso, as cachoeiras, Angical,
Gato, uma flor na rama oculta, a máquina estrelada, o universo equilibrado nos
ares, como tudo aquilo era possível? [...]
MIRANDA, Ana. Dias
e Dias 2002, p. 164
Texto II
O Romper d'Alva
[...]
Porque as ramas do arvoredo,
Bem como as ondas do mar,
Sem correr sopro de vento,
Começam de murmurar?
Sobre o tapiz d'alva relva,
- Rocio da madrugada -
Destila gotas de orvalho
A verde folha inclinada.
Renascida a natureza
Parece sentir amor;
Mais brilhante, mais viçosa
O cálix levanta a flor.
Por entre as ramas ocultas,
Docemente a gorjear,
Acordam trinando as aves,
Alegres, no seu trinar.
DIAS, Gonçalves. 1969, p. 118
3. O romance estabelece com o poema uma relação:
a) explícita de citação.
b) implícita de alusão.
c) explícita de bricolagem.
d) implícita de paráfrase.
e) implícita pastiche.
4. No texto I, há a descrição de uma paisagem típica do
Nordeste, uma vez que esse trecho se refere ao momento em que Feliciana estava
viajando para o Ceará, em busca do seu grande amor, Antônio. Comparando ao
texto II, pode-se inferir o seguinte equívoco:
a) somente a narradora descreve o ambiente natural, dando
nomes à flora da região.
b) essa característica de exaltar as belezas naturais e
modo simples de levar a vida, também era utilizada por Dias.
c) há em ambos a preocupação em mostrar ao leitor as
riquezas naturais bem como a sua relação com o homem.
d) no primeiro olhar, a autora de Dias e Dias parece “repetir” a escrita de Dias.
e) após conhecer melhor sobre essas os autores e obras, e
também sobre a criação literária, percebemos a relação intertextual.
5. [...] achei, aqui dentro de mim, de meu coração, que
Antônio tinha escrito a “Canção do exílio” para mim, porque eu sabia remedar
igualzinho o gorjeio do sabiá, então quando ele dizia “as aves que aqui
gorjeiam não gorjeiam como lá”, para mim queria dizer que as mulheres do mundo
não eram tão primores a desfrutar como as mulheres daqui, isso eu achava e acho
ainda, e quanto ao sabiá, Antônio sabia que papai era um colecionador de
sabiás, que tinha os mais belos sabiás das matas. [...]
MIRANDA, Ana. Dias
e Dias 2002, p. 140
Nesse trecho, o que caracteriza Dias e Dias como texto narrativo?
a) O tom melancólico presente na cena.
b) As conclusões poéticas da personagem.
c) A interferência da narradora no desfecho da cena.
d) O uso de alternância na temporalidade verbal, para
construir a ação psicológica.
e) As analogias sobre sabiá e mulheres feitas pela
personagem.
Texto para as questões 6 e 7.
Atração pela melancolia
Ana Amélia, uma jovem intensa, inspirada, suave, cismada,
coberta pelo prelúdio de uma infelicidade qualquer, e uma segurança pessoal tão
grande... disse Maria Luíza. No camarote no teatro, Ana Amélia jamais se
interessava em olhar as pessoas, disse Maria Luíza, concentrava-se no que ocorria
no palco, o que denotava sua elevação espiritual, Ana Amélia não usava decote e
nem usava jóias, nem babados, nem rendas, para seduzir
bastavam-lhe seus olhos negros, seu frescor de aurora,
seu cálix de pureza e sua nobreza de ossos, Maria Luíza disse-me que falara a
meu respeito para Ana Amélia, e que Ana Amélia comentara sobre meu nome,
Feliciana, ela disse que gostaria de ter um nome assim, que fosse um prenúncio
de felicidade, ou indicativo de alguém feliz, e Maria Luíza riu, porque
conhece-me tão bem...
MIRANDA, Ana. Dias
e Dias 2002.
6. Os sinais de pontuação são elementos com importantes funções
para a progressão temática. Nesse romance, as reticências foram utilizadas para
indicar,
a) no primeiro uso, uma fala nervosa e ambígua.
b) no segundo uso, uma informação implícita.
c) no primeiro caso, uma situação incoerente.
d) no segundo caso, a eliminação de uma ideia.
e) nas duas incidências, a interrupção de ações.
7. Colocando em relevo a caracterização tipológica, nessa
passagem do romance de Ana Miranda, e a função da linguagem, é inconteste
afirmar que:
a) há uma narração de valor metalinguístico, ao se
explicar o sentido do nome de Feliciana.
b) a exposição de Ana Amélia atende unicamente ao apelo
poético.
c) predomina a descrição sobre a narração, identificando-se
os elementos de referencialidade.
d) o caráter descritivo indica quem, onde e o que as
personagens fazem, configurando um tom apelativo.
e) fica em relevo os períodos de narração, marcado pelos
recursos que testam o diálogo, o meio de comunicação das personagens, próprio
da função fática.
FONTES:
Artigo: http://meuartigo.brasilescola.uol.com.br/educacao/a-intertextualidade-dias-e-dias-ana-miranda.htm
GABARITO:
ResponderExcluir1 – E
2 – A
3 – E
4 – A
5 – D
6 – B
7 – C