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quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

AJUDEI SEM QUERER AJUDAR – CRÔNICA

     O quanto há de nobreza em se fazer o certo sem querer fazê-lo? Em se estender a mão para alguém ciente de que não há em si vontade alguma de estendê-la? Há alguma quantidade de beleza em se prestar socorro, a quem quer que seja, quando não encontramos em nós mesmos motivo nenhum que nos mova para tal?

Seria a nobreza do dever kantiano? Seria este o pagamento por meu ato-não-ato? São muitas as questões nadando na superfície desse mar de benevolência sem fonte. Quantas e quantas vezes me pego sacrificiando meu tempo, minha energia, minha saúde, meu tesouro pessoal por pessoas que eu jamais tinha visto antes.

E sacrificiei mesmo sem vontade!

E houve lucros de todo tipo na vida dos vários alvos do meu holocausto autoimposto.

Talvez exista algo, muito profundo, que dê conta de esclarecer o porquê de a natureza humana ser capaz de vivenciar tamanha incoerência, tamanha contradição, como na igreja do diabo. São ajudas sem expedientes. São ajudas que independem de horário de trabalho. São ajudas sem calendário. Sem data para cessar. Sem garantia de que, na próxima ação ajudatória, se fará com a vontade ausente na anterior.

O chato é que parece haver consequências. Parece que tudo isso nos leva a lugar muito ruim de se estar. Que lugar? O do não-amor sacrificial. Estaríamos, então, fazendo tudo aquilo que representa dar o próprio corpo para ser queimado em um sacrifício e benefício alheio, porém, marcado pelo ausente amor? Teria tudo a ver com o ato de transformar todos os bens pessoais em alimentos aos pobres – inda que sem sentir que haja amor suficiente em si ou o mínimo que justifique essa transformação?

Pior. Com que cara posso prestar ajuda a quem nitidamente sabe que não queremos ajudar? E, uma questão ainda mais dura: “Como é possível que as condições necessárias para que situações assim existam existem?”

A única resposta para tudo isso é: “O inexplicável existe!”.

Admitir que haja indícios de mistério em todas as práticas de não vontade, que se corporificam em boas ações filantrópicas.

Seria a misantropia que aprendeu a viver em sociedade? A misantropia domesticada?

Talvez, a resposta que nos leva a algo, a estar um pouco mais perto do inexplicável, seja a seguinte: é a pura e simples fé. Uma fé naquilo que não somos. Uma fé que nos move vazia de crença. Ou que nos move apesar de a não alimentarmos com a nossa manifestação mais comum de crença.

Reconheço: há algum absurdo quando nos deparamos com o inexplicável. Contudo, quisera eu que todas as minhas inexplicações fossem todas constituídas desse peculiar tipo de desprezo positivo: o desprezo que sempre se compadece e, pragmaticamente, ajuda outrem.

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