Os amantes do poeta e
fidalgo português, Gregório de Matos e Guerra – como eu sou – sentem imenso
desconforto ao ler os apontamentos que o jornalista, Leandro Narloch, faz no seu
livro ícone Guia politicamente incorreto
da história do Brasil. Aquele artista nos legou grandes pérolas da arte barroca,
que muito nos ajudam a compreender o que foi o século 17 no Brasil,
especialmente na Bahia, e, sem dúvidas, grande parte da centúria seguinte.
Dificilmente um estudioso
não confere ao poeta o título de herói popular e ícone da Baianidade, coisa que
Narloch também nota.
Num dos artigos, intitulado
“Gregório de Matos era um dedo-duro”, Narloch não nos fere ao citar que as
críticas e sátiras que o poeta barroco tecia, destinadas às personalidades
políticas e líderes daquele período, fossem sua marca registrada. Daí o apelido
“Boca do Inferno”.
Ferimo-nos por criar uma
imagem errada do poeta. Errada até nos depararmos com verdades da época.
Afinal, como poderia um
leitor que deu boas gargalhadas ao ler os sonetos gregorianos ricos em sátiras,
ou se afeiçoou aos versos de erotismo barroco, aceitar que muito do que
acreditamos ser de autoria dele, na verdade, pode não passar de mexericos?
Algumas fofocas podiam até causar a morte de gente inocente. Duas vezes
malditos poemas “volantes”.
Contudo, meu objetivo
aqui é, ignorando tudo isso dito acima, mostrar que arte manifesta a história
de forma condensada. Todavia, ela pode conter mais fatos da realidade do que os
fáceis livros didáticos que encontramos nas escolas brasileiras.
Para provar isso, quero
mostrar dois textos que, em síntese, demonstram que o nosso Brasil é um país
sempre vítima, desde muito muito tempo saqueado e capaz de enriquecer muitos
países “capetalistas”. Isso não significa que o regime socialista seja menos sordido
quando o papo é o capital... kkk!!!
O primeiro é um soneto
que compõem a coletânea de poemas satíricos que a Editora Martin Claret reuniu,
assinados por Gregório de Matos e Guerra. O segundo faz parte do célebre livro As veias abertas da América Latina, de
Eduardo Galeano – um pensador uruguaio que dispensa qualquer comentário.
Especialmente o de que, se eu o leio, de modo algum, em tudo o creio... kkk!!!
Mas, como o fato relevante é a questão entre Arte e Realidade, dou a ele o
crédito de que vale a pena ser conferido.
Saquem só como um único
verso pode representar todo um período cuja estrutura política e econômica fica
nuazinha. Infelizmente, nós a desnudamos mas quem ficou na vergonha foi... sim,
sim, isso aí, toda a Baianidade. Brinco! Lascou foi todo o país mesmo. (P>S>
Claro que é válida a leitura integral, senão tudo que pretendemos notar aqui
vai pros ares. Sem priguicinha de ler, meu povo!!!)
Comecemos pelo poema do
Boca do Inferno. Depois da leitura, clique no link que leva ao texto de Eduardo
Galeano, o qual vai revelar um Brasil sendo saqueado por gente de sangue azul, mesquinha
e abestalhada. Assim, verificamos como o Brasil, não só a Bahia ou Minas Gerais,
conforme se verá, e sim, o quanto ficou comprometido o nosso desenvolvimento macro.
Ainda hoje amargamos tal atraso. E, como a história tem o mal costume de se
repetir, não estaria Marabá sendo sugada do mesmo jeitinho infame? “Existe um
vale podre no Reino da Dinamarca!”
À CIDADE DA BAHIA
Triste Bahia! Ó quão
dessemelhante
Estás e estou do nosso
antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a
mi empenhado,
Rica te vi eu já, tu a
mi abundante.
A ti trocou-te a máquina
mercante
Que em tua larga barra
tem entrado
A mim foi-me trocando, e
tem trocado,
Tanto negócio e tanto
negociante.
Deste em dar tanto
açúcar excelente
Pelas drogas inúteis,
que abelhuda
Oh se quisera Deus, que
de repente
Um dia amanheceras tão
sisuda
Que fôra de algodão o
teu capote!
Você pode pular a
leitura deste segundo soneto. Está aqui só para pintar um pouco mais o contexto
sócio cultural ao qual nos referimos sendo manifesto na arte.
À CIDADE DA BAHIA
A cada canto um grande
conselheiro
Que nos quer governar
cabana e vinha;
Não sabem governar sua
cozinha
E podem governar o mundo
inteiro.
Em cada porta um bem
freqüente olheiro
Que a vida do vizinho e
da vizinha
Pesquisa, escuta,
espreita e esquadrinha
Para o levar à praça e
ao terreiro.
Muitos mulatos
desavergonhados,
Trazidos sob os pés os
homens nobres,
Posta nas palmas toda a
picardia,
Estupendas usuras nos
mercados,
Todos os que não furtam
muito pobres:
E eis aqui a cidade da
Bahia.