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quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Boca do Inferno – Um século em um verso

Os amantes do poeta e fidalgo português, Gregório de Matos e Guerra – como eu sou – sentem imenso desconforto ao ler os apontamentos que o jornalista, Leandro Narloch, faz no seu livro ícone Guia politicamente incorreto da história do Brasil. Aquele artista nos legou grandes pérolas da arte barroca, que muito nos ajudam a compreender o que foi o século 17 no Brasil, especialmente na Bahia, e, sem dúvidas, grande parte da centúria seguinte.  
Dificilmente um estudioso não confere ao poeta o título de herói popular e ícone da Baianidade, coisa que Narloch também nota.
Num dos artigos, intitulado “Gregório de Matos era um dedo-duro”, Narloch não nos fere ao citar que as críticas e sátiras que o poeta barroco tecia, destinadas às personalidades políticas e líderes daquele período, fossem sua marca registrada. Daí o apelido “Boca do Inferno”.
Ferimo-nos por criar uma imagem errada do poeta. Errada até nos depararmos com verdades da época.
Afinal, como poderia um leitor que deu boas gargalhadas ao ler os sonetos gregorianos ricos em sátiras, ou se afeiçoou aos versos de erotismo barroco, aceitar que muito do que acreditamos ser de autoria dele, na verdade, pode não passar de mexericos? Algumas fofocas podiam até causar a morte de gente inocente. Duas vezes malditos poemas “volantes”.
Contudo, meu objetivo aqui é, ignorando tudo isso dito acima, mostrar que arte manifesta a história de forma condensada. Todavia, ela pode conter mais fatos da realidade do que os fáceis livros didáticos que encontramos nas escolas brasileiras.
Para provar isso, quero mostrar dois textos que, em síntese, demonstram que o nosso Brasil é um país sempre vítima, desde muito muito tempo saqueado e capaz de enriquecer muitos países “capetalistas”. Isso não significa que o regime socialista seja menos sordido quando o papo é o capital... kkk!!!
O primeiro é um soneto que compõem a coletânea de poemas satíricos que a Editora Martin Claret reuniu, assinados por Gregório de Matos e Guerra. O segundo faz parte do célebre livro As veias abertas da América Latina, de Eduardo Galeano – um pensador uruguaio que dispensa qualquer comentário. Especialmente o de que, se eu o leio, de modo algum, em tudo o creio... kkk!!! Mas, como o fato relevante é a questão entre Arte e Realidade, dou a ele o crédito de que vale a pena ser conferido.  
Saquem só como um único verso pode representar todo um período cuja estrutura política e econômica fica nuazinha. Infelizmente, nós a desnudamos mas quem ficou na vergonha foi... sim, sim, isso aí, toda a Baianidade. Brinco! Lascou foi todo o país mesmo. (P>S> Claro que é válida a leitura integral, senão tudo que pretendemos notar aqui vai pros ares. Sem priguicinha de ler, meu povo!!!)
Comecemos pelo poema do Boca do Inferno. Depois da leitura, clique no link que leva ao texto de Eduardo Galeano, o qual vai revelar um Brasil sendo saqueado por gente de sangue azul, mesquinha e abestalhada. Assim, verificamos como o Brasil, não só a Bahia ou Minas Gerais, conforme se verá, e sim, o quanto ficou comprometido o nosso desenvolvimento macro. Ainda hoje amargamos tal atraso. E, como a história tem o mal costume de se repetir, não estaria Marabá sendo sugada do mesmo jeitinho infame? “Existe um vale podre no Reino da Dinamarca!”

À CIDADE DA BAHIA
Triste Bahia! Ó quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mi abundante.

A ti trocou-te a máquina mercante
Que em tua larga barra tem entrado
A mim foi-me trocando, e tem trocado,
Tanto negócio e tanto negociante.

Deste em dar tanto açúcar excelente
Pelas drogas inúteis, que abelhuda

Oh se quisera Deus, que de repente
Um dia amanheceras tão sisuda
Que fôra de algodão o teu capote!

Você pode pular a leitura deste segundo soneto. Está aqui só para pintar um pouco mais o contexto sócio cultural ao qual nos referimos sendo manifesto na arte.  
À CIDADE DA BAHIA
A cada canto um grande conselheiro
Que nos quer governar cabana e vinha;
Não sabem governar sua cozinha
E podem governar o mundo inteiro.

Em cada porta um bem freqüente olheiro
Que a vida do vizinho e da vizinha
Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha
Para o levar à praça e ao terreiro.

Muitos mulatos desavergonhados,
Trazidos sob os pés os homens nobres,
Posta nas palmas toda a picardia,

Estupendas usuras nos mercados,
Todos os que não furtam muito pobres:
E eis aqui a cidade da Bahia.




Um comentário:

  1. Muito bom, meu amigo! Como sempre, escrevendo com primazia. Parabéns pela redação e pela discussão.

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