Anderson Damasceno
A didática por trás do "elogio do erro" pode produzir muitos
benefícios na vida dos professores. E até mais que benefícios na vida dos
alunos. Ou melhor, provocará bens (i)materiais na vida de quem porventura puder
estudar com professores que são desse jeitinho. Assim, elogiadores do erro
alheio. Especialmente dos dos seus pequenos.
Imaginem uma situação super comum. Falo especialmente aos
profs de LP. O garoto de 6º e 7º anos que ainda não diferencia na modalidade
escrita da língua as palavras “pais” e “país”. A primeira serve para referendar
a família: o casal de progenitores ou de adotadores desse mocinho
deslizador da gramática. Sãos seus responsáveis. Já a segunda, para se referir
à própria nação ou nação alheia. Quem sabe um país imaginário. Tanto faz!
O profissional que vê esse caso, nada raro, que se depara
com essa cena em sala de aula e decidi fazer uma breve intervenção explicativa,
levando a situação de incorrência gramatical para o quadro, está diante de um
momento precioso. Uma rica oportunidade dentro do processo de ensino-aprendizagem.
“Olha aqui galera! O paquito da Xuxa ali escreveu assim na narrativa
dele: ‘Quando chego em casa, eu falo com os meus país tudo que aconteceu de mais
legal na escola’. E isso me fez pensar, temos um governante mirim aqui na sala,
que lidera muitas nações pelo mundo. Puxa! Já pensou, você chegar em casa e
contar pra população de todos os países que você governa tudo aquilo de bom que
viveu na escola por um dia. Rapaz! Foi pelo Google Meet, rei do Norte?”.
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É bem verdade que por causa da rotina, da prática cotidiana
de lecionar e, constantemente, ver muitas agramaticalidades na escrita e na
leitura dos estudantes, possa parecer aos professores que cada situação de erro
– não apenas nas aulas de português – seja algo tão habitual, comum, que acaba
se automatizando. Por exemplo, o educador explica ali mecanicamente a diferença
entre pais e país. Isto é, muitos profissionais atacariam somente e diretamente
a questão técnica do erro.
Sabemos que há inúmeras questões que levam os educadores a
agir dessa forma. E são, sim, questões que merecem ser debatidas em seus encontros
de formação, capacitação, e até pesquisadas cientificamente. (E acabo de ter
aqui mais uma ideia de tema/problema para publicar no BOA nos próximos dias).
Também é sabido que há a postura daqueles profissionais defendem não perder
muito tempo com a gramática, porque em algum momento da vida escolar as
crianças e adolescentes vão acabar aprendendo a ortografia, ortoepia, a
acentuação etc. E que pelo fato dessa garotada não dominar a linguagem quanto
ao uso de objeto direto e indireto, no 8º ano do Fund II, isso não seria motivo
suficiente para reter alguém no mesmo nível, no final do ano. E pro ano
seguinte.
Contudo, quero me ater aos professores que aproveitam os momentos
de vacilo na Língua Portuguesa. Ao escrever no quadro o deslize gramatical de
seu pupilo, invés de ir direto para a questão técnica, envolvendo a semântica
(o sentido dessas duas palavrinhas danadas), a ortografia (citar até o VOLP, a
legislação...) e os elementos notacionais da escrita, resolve fazer uma singela
brincadeira. Usar o momento pra elogiar de forma engraçada a incorrência
cometida pelo alunado.
Essa abordagem evitaria muitos bloqueios, diminuiria a
inibição, e evitaria a possibilidade dos educandos sentirem que estão “jogando
contra os educadores”. Como se a nota da prova fosse a “prova” de que o
professor não gosta do aluno e vice-versa.
Muita vez, o estudante que ainda está vivendo fases e fases
de seu desenvolvimento filogenético acaba errando – e com todo o direito – na
forma de avaliar o mundo e as pessoas em sua volta. Ainda lhes falta certa
maturidade e experiência para perceber que o tempo de escola é um direito e um
privilégio que cada pessoa precisa aprender a valorizar. É essa a ideia que
gosto de passar quando escrevi em um dos meus “raps” os versos:
“Sei que até parece
uma loucura
Passar a vida na
escola sem sacar que a conta é tua.
Mas, fica calmo,
Ainda dá tempo de
pagar”.
Falo que o alunado tem todo o direito errar, respeitando-se
idade, capacidade intelectiva e educação recebida. Pois, há sim os casos de
estudantes que entendem bem as relações de causa e consequência. Eles já desenvolveram
maturidade suficiente para perceber o quanto não estão se dedicando aos estudos:
gazetam aula, não prestam atenção na explicação nem respondem as atividades no
caderno e no livro, conforme o prazo estipulado. Enfim, ficam na “vadiagem
escolar”.
Mas, nem todos ficam gazetando aula. Há aqueles que, durante
seu crescimento e amadurecimento, (leia-se aqueles enquanto crianças e
adolescente) ainda não conseguem gerir bem e interpretar, com a segurança
necessária, seus relacionamentos interpessoais. Afinal, isso é um dado
material: pelo fato de existirem problemas em torno dos objetos do conhecimento,
existirem atividades e provas, fica parecendo que os professores só existem
para dificultar a vida estudantil, impedindo a felicidade.
Raramente, um estudante vai tentar se dedicar ao conteúdo da
área do conhecimento de alguém que ele sente não gostar de si. Em resumo, fica
parecendo que a reprovação no final do ano depende somente do relacionamento
interpessoal, entre educador e educando, ser o único quesito definidor. E não é
bem por aí. Nem nunca deveria ser.
Portanto, brinquemos com mais acolhimento, sabedoria.
Tentando entender o porquê de muitos erros em sala de aula. Cada um pode ser
uma grande oportunidade de aprendizado. Mais alegre, mais saudável!