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segunda-feira, 4 de março de 2013

Professores, é melhor não saber(?)



Resolvi assassinar um pouco mais da minha ignorância. Pra quem não sabe, eu minimamente conheço o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Fica até parecendo que não valorizo os valores que o ECA aborda. Talvez poucos entendam o trocadilho a seguir, mas, fá-lo-ei assim mesmo. Eu quero dar um “eca!” pra mim.
A razão disso é bem simples. Como professor, entendo que deveria conhecer – ainda que medianamente – as leis que defendem nossos infantes. Afinal, meu ofício é educá-los.
Só que acredito ser comum a maioria dos profissionais da educação esse tipo de desconhecimento. Eles se limitam à “sabência” dos métodos pedagógicos e conteúdos científicos de suas disciplinas. Superficialmente, isso é o suficiente pra se atuar nas salas de aula duma escola.
Enfim, o que fiz? Fui na lei – estrear meu Vade Mecum – e tentei resolver parcialmente minhas curiosidades. E cá estou falando dum pouco de minhas descobertas iniciais. Este foi meu jeitinho na tentativa de desmatar o “Amazonas de ignorância” da vida professoral que levo.
Achei algo na lei nº 8.069, decretada em 13 de julho de 1990, lei que fez valer as determinações no Estatuto da Criança e do Adolescente, e que eu precisava saber. Lendo o artigo 4º senti, de início, um grande alívio, porque vi que não é papel apenas dos professores executar a proteção dos juvenis. Nesse artigo diz:
“É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”.
Só que o alívio foi-se e deu lugar a um problema muito maior. Isto é, eu imaginava apenas que os educadores seriam os trabalhadores mais apáticos ao conjunto de leis que formam o ECA. Agora, comecei a me questionar se o Amazonas de ignorância, na verdade, se estende num país inteiro – aquele do gigante adormecido.
O estágio pessoal de dor na consciência mudou. Ligeiramente, a minha tentativa de conhecer a lei levou-me a consciência de um mal coletivo.
Enfim, eu tinha outras curiosidades, e quem sabe, o drama no qual me peguei não fosse tão grande assim. Bastaria eu ler e conhecer um pouco mais, então essa preocupação generalizada – que devia no mínimo pesar em todas as pessoas adultas que formam nossa sociedade – teria uma esperança, e finalmente, uma solução. E a bola da vez é o melindroso trabalho infanto-juvenil.
Pois bem, vejo com imensa freqüência crianças e adolescentes exercendo serviços remunerados. Sejam os garotos em uma lava jato, passando esponjas em carros e motos durante o sol escaldante de uma tarde; sejam os guris que fazem a novela como carrossel, no SBT – que acredito estão em condições bem melhores, embora eu não tenha experiência nenhuma com os bastidores de lá. A verdade é que em ambos os casos há injustiças.
O artigo 60º do ECA dita que é “proibido qualquer trabalho a menores de 14 (quatorze) anos de idade, salvo na condição de aprendiz”, porém, como sabemos, essa idade nem sempre é respeitada. Por isso, existe uma legislação especial que regula isso, conforme diz o artigo seguinte (61º). 
Se lembrarmos que, a pouco, vimos no artigo 4º que a sociedade deve garantir os direitos à profissionalização dessa gurizada, então porque os filhos de pessoas carentes são mais comuns de serem encontrados fazendo serviços pesados antes dos quatorze anos? Enquanto isso, os cantores e atores mirins – que nunca venderam um picolé na vida, a não ser estando em cena – são paparicados pela mídia.  
Quais são as chances do filho do meu vizinho, cujo ofício é pedreiro e recebe dois mínimos salários no mês, nesta linda cidade de Marabá, se profissionalizar no teatro? Há escolas públicas pra isso? O governa bancaria tal coisa? Ou o pedreiro deveria matricular seu pequeno na capital, se é que lá tem esse trilho de profissionalização menos degradante que o dos engraxates?
Além disso, microempresas e pequenos estabelecimentos que dispõem uma atividade pra essa meninada não tem estrutura ainda de manter aquelas condições que o trabalho de menor aprendiz requer.
A lei dita no art. 63 que o direito de profissionalização segue três princípios: I - garantia de acesso e freqüência obrigatória ao ensino regular; Il - atividade compatível com o desenvolvimento do adolescente; lII - horário especial para o exercício das atividades.
Dificilmente uma empresa de pequeno porte daria conta de fiscalizar e obedecer a esses critérios do mesmo modo que uma transnacional petrolífera. Mesmo sendo dever de ambas as classes de empregadores.
Contratar um aprendiz numa sorveteria com dois ou três anos de funcionamento está anos luz do menor empregado em um supermercado que desbrava o país com suas filiais. No entanto, as lojinhas de esquina ficam sujeitas a sofrer perseguições e multas da Justiça do Trabalho.
Não duvido que em todo meio exista grupos que tentam lucrar ilegalmente em cima dos jovens. E nesses casos o rigor da JT é necessário.
Porém, cada caso deve ser assistido justa e igualmente. Cada família dos que trabalham passam por condições relativamente semelhantes. Só que é nos detalhes esquecidos das variáveis que moram a presença ou não da lei legítima, solidificada no ECA. Isto é, no Brasil criança trabalha sim e em qualquer coisa, desde que seja pela TV e não na vida real. 

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