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sábado, 5 de janeiro de 2019

CRÔNICA – A pena de um pássaro (Anderson Damasceno*)

CRÔNICA – A pena de um pássaro (Anderson Damasceno)

Uma pena, leve, solta da asa de algum pássaro, nobre ou não, por razões que o tempo e a biologia podem nos explicar, caída, depois de ajudar a tantas travessias no céu, está agora perto, bem perto de mim. Uma situação nada inusitada, nem inesquecível, mas que guardava uma porta aberta para o poder da inesquecibilidade. Ao olhar a pena ali, solitária, deitada na terra, seca, que junta ao longo do meio-fio depois de uma chuva na cidade, terra que a prefeitura volta e meia manda limpar, senti que a maçaneta da porta foi dobrada e, de súbito, me joga para dentro das vezes que bastava aquilo pra brincar.
É uma situação comum. Sentado na calçada, à espera de ônibus coletivo na última parada do Bairro Liberdade, adulto aos 33 anos, sem nenhum gosto ou impulso para fazer-me brincar de novo com pena de pássaro. Não tinha nada de marcante, incomum e inesquecível ali. Também não dá para contar a quantas pessoas em Marabá isso é ou possa se aproximar em semelhança.
Isso é muito diferente de infelicidades da adolescência ou da infância que se tornam quase imemoriáveis. Quando nas férias escolar vai se visitar os tios que moram na Folha 33, alegre mesmo por levar só algumas roupas numa bolsa, um punhado que caberia numa sacola dessas grandes de supermercado – talvez fosse até uma sacola, coisa que me escapa à memória agora –, pois o máximo que vai se passar ali é uma semana ou dez dias. Na época, a parada de coletivo mais próxima a quem residia na 33 era a que ladeava uma lanchonete, dessas feitas de carrinhos, móveis como ainda hoje se vê nas praças de Marabá – por pouco tempo eu acho, haja vista o andar da modelagem urbana da atual administração –, parada que ainda hoje existe em frente à Rodoviária da Folha 32, mas que agora é acompanhada por uma borracharia daora, um estabelecimento de serviços digitais e um ponto de garagem que pode ser do DMTU ou da SMSI.
Só quem tem 10 anos de idade, um P.A., sabe a satisfação do que é a mãe deixar andar sozinho de ônibus na cidade. E poder passar por debaixo da roleta. É libertário! ... Ixe! Tô quase pegando ranço dessa palavra. E ranço do ranço.  
Era fim de umas férias. Tendo me despedido do tio Mario e da tia Roseli, subi aquela ladeira da 33 com minha bolsa-sacola-pra-memória, em uma mão, e uma edição da revista Herói, na outra, periódico que eu colecionava – tentava! – e era ávido em ler, todavia, tendo poucos números em casa uma vez que não tinha tanto dinheiro assim para acompanhar as publicações ou, pelo menos, colecionar os lançamentos das edições especiais. Só que ali, mano, tinha frente aos meus olhos uma falando do Ikki, de Fênix! E seu irmão Shun de Andrômeda – caracteres originais que atualmente estão sendo deturpados pela nova formatação lacradora do desenho animado para a TV, canais fechados, streaming, whatever seus putos! –, ou seja, era tudo que eu quiria, saber do meu personagem predileto. Interessava saber o poder do cara, a história sofrida na ilha do inferno, a orfandade, o ódio, o ter que cuidar do irmão mais novo, a conquista da armadura, a amada perdida como unself-righteous suicide para se conquistar a armadura et cetera. Então, subi, subi, subi e quando me dei por conta já estava aguardando o busão ali, sentado numa das cadeiras de cliente da lanchonete. Coisa que menino mal consegue pôr o pé no chão.
Claro que, pensando agora, me ocorre a reflexão dos riscos de ser atropelado, uma vez que a rodovia nunca saiu dali, atravessando as vidas dos caminhantes que sobem da 33. Às vezes, até sendo a travessia final. Incidentes que ainda hoje acontecem.
Só que, por estar tão compenetrado lendo uma revista do Ikki, velho! O ônibus chegou e parti nele só um pouco mais ereto do que estava sentado. Fui rumo à Folha 16 – ou era pro São Félix? Haja vista que em 1995 morei lá? –, indo de volta para a minha casa, esquecendo a sacolinha de roupas no chão, ao lado da cadeira de cliente de lanchonete em que sentara.
Mas sou guerreiro e minha vida nem sempre é de finais infelizes. Dei conta do vacilo quando passava na parada às proximidades da Escola Estadual Gaspar Viana. Sim, a que recentemente pegou fogo, só que na época não havia outra unidade escolar ao lado nem o Fórum Eleitoral Desembargador Ary da Mota Silveira. Essa sacada veio seguida de um desespero no coração. Ai minhas roupas na sacola! Se eu chegar em casa sem minhas roupas estou morto. Era uma das poucas vezes que minha mãe me julgou maduro pra ir sozinho passar férias com parentes. Desci ali mesmo, no ponto, e parti correndo de volta.
Correr atravessando a Folha 21, a grota, as VPs, passar pela rotatória e subir para a parada em frente à Rodoviária ainda hoje é umas das sensações de distâncias maiores que guardo-sentida da minha vida. É uma sensação de fogo!
Pena que os escapes da memória não conseguem me dizer se, quando cheguei lá, encontrei ou não, intacta, minhas roupinhas com cheiro de férias. O fato é que por, simplesmente, ter ocorrido atrás do prejuízo, isso ajudou muito a ter um caráter que valoriza as pequenas coisas – dando valor ao que minha mãe me deu –, e também não desistir antes de tentar por maior que seja grande a incógnita. Quem quer solução só encara a incógnita. Pra que coisa mais feliz que isso?




*Anderson Damasceno Brito Miranda é natural de Marabá, Pará, nascido a 8 de julho de 1985. Mas, residiu por longos anos em outros municípios do estado como Altamira e Goianésia do Pará. Retornou para a cidade natal em 2004, onde passou a morar, novamente, com a família. Aos 19 anos, fez confissão de fé em Cristo. Em 2005, ingressou para o curso de Letras na Universidade Federal do Pará (UFPA), Campus Marabá, onde hoje é o Campus I da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa). 
O poeta leciona inglês, português, redação, artes e literatura. Também é repórter, fotógrafo e blogueiro.
Participou do Concurso de Poesia Professor(a) Poeta(isa) na sua última edição, realizada em 2011, em que alcançou o segundo lugar. E participa, ativamente, do concurso anual realizado pela Academia de Letras do Sul e Sudeste do Pará (ALSSP), intitulado Prêmio Inglês de Sousa, em que logrou a primeira colocação no gênero poesia, durante a edição do ano 2014.
Atualmente, trabalha no Instituto de Ensino A+, Preparatório de Medicina Everest. Além disso, é assessor parlamentar e assina o blog Olhar do Alto (OA).
Até outubro de 2016, o literato fez parte do coletivo de poetas e artistas do Sarau da Lua Cheia, sendo um dos co-fundadores do movimento, ao lado de Airton Souza, Eliane Soares e Xavier Santos. O Sarau da Lua Cheia é um evento artístico e cultural que iniciou em março de 2013, de caráter itinerante, que acontece em Marabá, uma vez por mês, promovendo a leitura, o livro e a divulgação das obras de autores paraenses.
Também foi membro-fundador da Associação de Escritores do Sul e Sudeste do Pará (AESSP), mas dissidiu por discordar da mentalidade esquerdista que passou a dominar a direção da instituição, após a queda do governo Dilma Rousseff, que manteve o PT no poder por quase 14 anos, isto é, 14 anos que foram, sem sombra de dúvidas, um dos piores projetos de poder e o maior escândalo de corrupção que o mundo já conheceu.





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