POEMA - MONOBLOCO ALZHEIMER
Anderson Damasceno
Como é difícil seguir sendo esquecido exatamente por quem
mais amamos.
Sentir que aquele olhar não existe mais do mesmo modo quando
o encontramos.
Saber: tudo que (se) passar não vai somar com o tudo que já
passamos.
Ouvir cada fala distante, larga... e bem diferente do que já
ditamos.
Tocar a pele tão conhecida, mas que não lembra o quanto a
tocamos.
Abraçar com força aquela vida deixando de ser a vida
enquanto abraçamos.
Entrelaçar os dedos da mão tão querida que não entende porque
entrelaçamos.
Beijar a testa seca ou úmida – como era nos dias em que a
beijamos.
Cheirar o tom dos cabelos (brancos) cujo perfume não saberá
que o cheiramos.
O ser que foi personificado nos seus cheiros não recordará
do meu nariz em prantos,
Não lembrará que foi por muitos dias que banhei com o mesmo
sabonete que usamos.
Compartilhar os perigos da vida com a mesma dor-adrenalina
em que compartilhamos.
Prestar o favor em qualquer hora do dia sem ser favor o preço
que pagamos.
Comer acompanhado a melhor comida que por acaso era a que
mais gostamos.
Ver o prato secando à medida em que se ia a fome com que
almoçamos.
Passear na praça comprida e que foi ficando pequena com o
passar dos anos.
Se eu soubesse que o dom da vida a faz menos sofrida quando
aceitamos,
Aceitamos que em cada partida não é só a vida que vai nos
deixando,
Deixando vai a mensagem que trazemos pra plantar enquanto
acabamos:
Há um milagre feito para cada dia e que é muito preciso
colher sem planos.
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