Como seria? Se cada dia novo fosse
um novo fio que usamos pra tecer a história da vida, da vida pessoal a que cada
um é dada, da história pessoal que se é vivida, e no final todo o tecido compusesse
a roupa final que usaremos em nossa partida?
Com que cor nos vestiriam e qual
o formato a vestimenta seria? O que pensariam dessa travessia, do modo em que
partimos para a outra vi(d)a?
Que sensação teriam os enlutados ao
ver o corpo nosso de ente deitado? Será se reparariam no look nosso,
respeitando o traje do ser “enleitado”?
A resposta não é tão difícil pra
quem olha exatamente para o fio tem. Pra quem assume o papel de tecer e não
terceiriza a responsabilidade que tem. Seja na própria casa, na família e no
cuidar dos filhos, seja no trabalho, com os clientes e com os amigos.
Não é sobre ficar bonito no tempo
da própria morte. Não é sobre moda que vim falar. É mais sobre o tempo em que
se vive agora e o que inda podemos fazer enquanto temos hora.
O tempo é um grande fio, os meus
atos são fios também. As escolhas que faço geram o tecido que ornamenta a vida
aqui e além.
O passado que trago comigo reúne
os fios que já fiz passar, por dentro da agulha, da máquina de costura, chamada
de trabalho, de existir ou de co(n)fiar.
A forma que tenho me vestido no
presente pode muito representar. Pode até representar um tempo de dor ou o tempo
que for. Pode ser uma roupa que simbolize todo um tempo de amor ou todo um
tempo paz.
Por exemplo, a roupa amarrotada –
e às vezes rota – são situações que não queremos passar. Quer por medo, quer
por vergonha, não queremos que nos vejam em tamanho azar. Queremos inclusive
nos esconder achando que passa por si só o período do nosso penar.
Mas, se há algum azar mesmo é o
de parar de costurar.
Tem gente que com pouco tecido
inova a beleza e é capaz de brilhar. É capaz de lutar. Com pedra e pano, feito
uma funda, houve fé que já pode derrubar. Derrubou não só a soberba, a afronta
e o medo, mas todo um exército que num gigante ousou confiar.
Viver um tempo de pena pode ser a
melhor cena para se recriar. Construir um futuro melhor com todos os fios que acertamos
usar. E o acerto não vem sem erro, sem fios rompidos, sem agulhas quebradas,
sem a falta de uma boa máquina na mão.
Eu preciso cozer com meus atos as
24 horas do meu dia a dia. Fazer do meu cotidiano uma tecitura com sabedoria. Modular
a quem eu tenho dado mais e a quem não sabe me receber. Olhar bem para quem
está do meu lado, por tanto tempo – mesmo eu ciente de não merecer.
A vida é um longo texto em branco
que muito faz sentido ao escurecer. Que recebe da beleza da noite todo o significado
em cada amanhecer.
Não é à toa que tecido e texto
são palavras de mesma etimologia. Desde sua origem, elas andam juntas e muito
podem nos dar a conhecer. Fazer a gente saber o que não sabemos, e conhecer de
gente que não conhecemos. Juntas fazem a gente vestir a vida com a roupa que
temos, e dar sentido a tudo que dizemos.
A cor e a linha que eu tenho hoje
podem me ajudar a responder também. Se estou esperando que costurem por mim ou
que venham me dar a cor que não se tem.
Só na morte há o coletivo, vai
ser o lugar onde vão me costurar. Dentro de um corpo gigante e maior, que a sociedade
insiste em tecer e perdurar.
Não faço aqui um elogio ao
individualismo cego e inconsequente, mas um convite a reflexão. Até pra nascer houve a costura dos
pais, mas pra haver Brasil, muita vez, rasgam o cidadão.
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Show de reflexão. MN e fez lembrar do Objecto Quase de José Saramago
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