Autoridades e representantes de organizações sociais assistem depoimentos comoventes de adolescentes |
Audiência foi presidida por Lilian Viana Freire, promotora de Justiça da Infância e Juventude de Marabá |
Na tarde de ontem (25), o fenômeno “Meninos do Trem”, que
trata do transporte clandestino de crianças e adolescentes nos vagões de
minério da empresa Vale S.A., foi debatido durante Audiência Pública promovida
pelo Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) no prédio da Câmara Municipal
de Marabá (CMM), situada na Agrópolis do INCRA, Bairro Amapá. As Promotorias de
Justiça da Infância e Juventude de Marabá reuniram órgãos públicos,
organizações sociais, famílias e representantes da empresa para analisar os
episódios das viagens de risco e procurar soluções.
Crianças e adolescentes deram depoimentos revelando alguns
dos traumas, originados nessas idas e vindas. Juvenis de municípios tanto do
Pará quanto do Maranhão detalharam as facilidades de ter acesso ao trem.
A audiência foi presidida por Lilian Viana Freire, promotora de Justiça da Infância e Juventude de Marabá. Entre as autoridades convidadas para compor a mesa estiveram presentes Aldo de Oliveira Sá e Filho, ouvidor geral do MPPA, Verena Sampaio Borges, procuradora do Ministério Público do Trabalho, Ubirajara Sompré, exercendo a presidência da CMM, e Eduardo Antônio Martins Teixeira, que é juiz da Infância e Juventude de Marabá.
Na abertura, a presidente Lilian Viana Freire ressaltou os
objetivos da audiência “Meninos do Trem”. A partir do material produzido na
audiência, os órgãos públicos vão traçar metas e realizar deliberações para
aplicar perante o estado e a empresa mineradora.
Na galeria de honra atenderam ao convite o Bispo diocesano
de Marabá, Dom Vital Corbellini, o promotor de justiça Márcio Tadeu da Silva
Marquês, que na ocasião representava o coordenador da Infância e Juventude do
Ministério Público do Estado do Maranhão (MPMA). Além deles, compareceram o
promotor de Justiça de Santa Luzia do Pará, Lúcio Leonardo Froes Gomes, o chefe
da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Jair Barata Guimarães, a gerente executiva
do IBAMA, Gracicleide dos Santos Braga, e o presidente da comissão de Direitos Humanos
em Marabá, o vereador Ronaldo Yara.
Logo na entrada do plenário, havia dispostas duas mesas para
inscrições, uma destinada a órgãos públicos e outra de organizações sociais. Mais
de 40 organizações sociais vieram ao evento. Dentre elas, a Comissão Pastoral
da Terra (CPT) e Justiça nos Trilhos – que no grupo de seus representantes
estava o advogado, Danilo Chammas.
FENÔMENO MENINOS DO TREM
Após abertura, os presentes assistiram a alguns depoimentos
produzidos em vídeo, cujas gravações foram realizadas durante oitivas na última
segunda-feira (23). Segundo Lilian Freire, a intenção era ouvir o que a
população sabe acerca da fragilidade do sistema de segurança da ferrovia.
No primeiro caso, um garoto revelou que desde os 10 anos de
idade, por várias vezes, partiu de Marabá para São Luís do Maranhão,
acompanhado de outros adolescentes. Levando apenas um pouco de comida, o garoto
narrou que esperava o trem parar na estação para então entrar no vagão de
minério. Nas ruas da capital maranhense, ele passava vários dias dependendo de
comida de estranhos. E quando os funcionários da Vale o pegavam, era levado ao
Conselho Tutelar.
“Eu ia por aventura. É fácil embarcar”, afirma o adolescente,
que tem o rosto não identificado no vídeo.
A mãe, também com rosto não revelado, recorda as mais de
sete vezes que o filho partiu, enfatizando a maneira fácil dele ir para o trem.
“As viagens atrapalharam estudos. Mais de seis meses lá. Eu
fico sofrendo sem dormir e comer. Fui duas vezes buscar meu filho. Passei a
noite toda num bar sem conhecer ninguém na esperança de encontrar”, recorda.
No segundo caso, um jovem de São Luís, já com 16 anos,
começou suas “aventuras inconsequentes” aos 10 anos.
Mas, sem sombra de dúvidas, o caso mais emblemático dos
efeitos desse fenômeno foi visto quando a promotora de Justiça da Infância e
Juventude entrevistou ao vivo um jovem de 19 anos, que entrou mascarado no
plenário da CMM pedindo para se referirem a ele pelo nome fantasia Brad Pitt.
Além de confirmar com maiores detalhes as facilidades que os
menores tem de entrar nos vagões, Brad Pitt que teme sofrer retaliações, relatou
que em algumas das vezes que foi pego pelos agentes de segurança da Vale S.A. sofreu
lapadas de facão, coronhadas e outras ofensas. Certa vez, ele foi empurrado de
cima do vagão a ponto de sofrer grave ferimento na perna, do qual ainda existem
sequelas.
MP DO PARÁ E DO MARANHÃO UNEM FORÇAS PRA SOLUCIONAR
Em São Luís datam desde 2005, e em Marabá desde 2003, as
referências a essa prática nominada meninos do trem. Por conta disso, os MPs
dos dois estados deram as mãos para coibir o fenômeno que tem afetados centenas
de crianças e adolescentes. Inclusive a parceria tem buscado informações junto
aos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, que também possuem estradas de
ferro, e pode ser que tenham o mesmo problema.
No quadro de dados apresentados durante a audiência, em
2003, cerca de 109 menores fizeram as viagens de risco. Já em 2008 foram 195.
Porém, segundo a Vale, desde 2009 esse número caiu para uma média de 17 ao ano.
De acordo com Lilian Freire, tem que se exigir da empresa
medidas sérias e eficazes para coibir essas viagens, que resultam em exploração
sexual, uso de drogas, haja vista que os menores vão para lugares sem amparo
nenhum.
São mais de 900 quilômetros de extensão a composição da
ferrovia, tendo os trens algo em torno de 3 Km de comprimento. Isso representa
um espaço mais que o suficiente para que crianças e adolescentes se tornem
vítimas fáceis de acidentes, lesões corporais, mortes e outras fatalidades.
O público riu de um fato que a promotora contou sobre um
garoto que dizia gostar de vir de São Luís e ficar nas ruas de Marabá, porque a
cidade é bonita. Porém, Freire ressaltou o grau de risco à vida da criança.
Antônio Celso Brasiliano apresenta relatório que vai contra posição do técnico canadense e da avaliação do Ministério Público |
O discurso do promotor do MPMA, Marcio Tadeu da Silva
Marquês, tratou dos direitos desse segmento de menores empregando o termo “invisíveis”.
Isso porque ele entende que o poder público não tem se interessado como devia
ao saber da condição de vida deles.
Marquês comentou que o trabalho do Maranhão, na capital, foi
de provocar a Agência Nacional de Transporte em Terra (ANTT), porém, a entidade
deu a entender que não identificou nenhuma falha na conduta de segurança da
Vale.
O promotor ressaltou ainda que o espírito de aventura dos
juvenis, bem como outras causas de ordem econômica e cultural, não minimiza a
responsabilidade da Vale em garantir segurança dos menores. Ele criticou que a
facilidade ao acesso das composições de carga do trem é de total
responsabilidade da empresa.
"Não é mais importante o resultado financeiro da Vale S.A.
do que a vida de uma criança e o padecimento de uma mãe ou dos familiares. São as
responsabilidades técnicas e operacionais com que a Vale pode dar cobro a isso.
Então, é necessário uma postura institucional", afirma.
Marquês ainda questionou o fato da mineradora não garantir a
segurança das crianças e adolescentes que são vitimados na ferrovia.
“Se a Vale tem tecnologia para saber, em tempo real, a
temperatura de cada roda de uma composição do trem, não me parece impossível
que se faça a vistoria com qualidade”, considera.
AVALIAÇÃO DE ENGENHEIRO CANADENSE DIZ QUE SISTEMA DE
SEGURANÇA DA VALE É INSUFICIENTE
Engenheiro canadense vê falhas do
sistema de segurança da VALE
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O parecer do engenheiro canadense, James Raymond Bertrand, foi
um dos momentos mais esperados da Audiência. Depois de relatar que a Vale não
contribuiu com nenhum elemento em todo o período que estudou a ferrovia,
apresentou uma avaliação do documento judicial que a mineradora utiliza para orientar
a parte de segurança do sistema ferroviário e transporte de minério.
Com mais de 40 anos na atuação na área de ferrovias, a
avaliação apresentada por Bertrand foi aterradora.
“O relatório deveria mostrar onde as crianças subiam e onde
elas sofreriam acidentes, mas nada havia. Deveria apresentar medidas para
prevenir acidentes ou atropelamentos, e diz apenas que as locomotivas remotas
são fechadas, só que nada fala de como evitar atropelamento. O relatório teria
que dizer sobre a verificação das luzes de segurança, mas não fazia. Deveria
instalar câmeras, mas a empresa se limitou”, fala o profissional através de uma
tradutora.
Outro tópico apurado por Bertrand foi o relacionamento entre
as crianças e agentes da Vale, ou seja, como deveria a equipe de segurança
lidar com elas. No relatório não há menção alguma. Também deveria falar do
relacionamento entre Vale e Conselho Tutelar, contudo, só dizia que não
funciona. Deveria mostrar o relacionamento da Vale com instituições que
trabalham com crianças e adolescentes, porém, há somente fotos bonitas do
Conselho Tutelar e nada por escrito.
“O canadense observou ainda que ao duplicar a ferrovia vai
otimizar o tráfego de trens. E como as novas descobertas da Vale estão fazendo
aumentar as cargas, vão aumentar muito mais esses problemas”, enfatiza.
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