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quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

MENINOS DO TREM DA VALE - Ministério Público do Pará e do Maranhão unem forças para solucionar fenômeno

Autoridades e representantes de organizações sociais
assistem depoimentos comoventes de adolescentes













Audiência foi presidida por Lilian Viana Freire,
promotora de Justiça da Infância e
Juventude de Marabá
Na tarde de ontem (25), o fenômeno “Meninos do Trem”, que trata do transporte clandestino de crianças e adolescentes nos vagões de minério da empresa Vale S.A., foi debatido durante Audiência Pública promovida pelo Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) no prédio da Câmara Municipal de Marabá (CMM), situada na Agrópolis do INCRA, Bairro Amapá. As Promotorias de Justiça da Infância e Juventude de Marabá reuniram órgãos públicos, organizações sociais, famílias e representantes da empresa para analisar os episódios das viagens de risco e procurar soluções.
Crianças e adolescentes deram depoimentos revelando alguns dos traumas, originados nessas idas e vindas. Juvenis de municípios tanto do Pará quanto do Maranhão detalharam as facilidades de ter acesso ao trem.

A audiência foi presidida por Lilian Viana Freire, promotora de Justiça da Infância e Juventude de Marabá. Entre as autoridades convidadas para compor a mesa estiveram presentes Aldo de Oliveira Sá e Filho, ouvidor geral do MPPA, Verena Sampaio Borges, procuradora do Ministério Público do Trabalho, Ubirajara Sompré, exercendo a presidência da CMM, e Eduardo Antônio Martins Teixeira, que é juiz da Infância e Juventude de Marabá.
Na abertura, a presidente Lilian Viana Freire ressaltou os objetivos da audiência “Meninos do Trem”. A partir do material produzido na audiência, os órgãos públicos vão traçar metas e realizar deliberações para aplicar perante o estado e a empresa mineradora.
Na galeria de honra atenderam ao convite o Bispo diocesano de Marabá, Dom Vital Corbellini, o promotor de justiça Márcio Tadeu da Silva Marquês, que na ocasião representava o coordenador da Infância e Juventude do Ministério Público do Estado do Maranhão (MPMA). Além deles, compareceram o promotor de Justiça de Santa Luzia do Pará, Lúcio Leonardo Froes Gomes, o chefe da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Jair Barata Guimarães, a gerente executiva do IBAMA, Gracicleide dos Santos Braga, e o presidente da comissão de Direitos Humanos em Marabá, o vereador Ronaldo Yara.
Logo na entrada do plenário, havia dispostas duas mesas para inscrições, uma destinada a órgãos públicos e outra de organizações sociais. Mais de 40 organizações sociais vieram ao evento. Dentre elas, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Justiça nos Trilhos – que no grupo de seus representantes estava o advogado, Danilo Chammas.

FENÔMENO MENINOS DO TREM 
Após abertura, os presentes assistiram a alguns depoimentos produzidos em vídeo, cujas gravações foram realizadas durante oitivas na última segunda-feira (23). Segundo Lilian Freire, a intenção era ouvir o que a população sabe acerca da fragilidade do sistema de segurança da ferrovia.
No primeiro caso, um garoto revelou que desde os 10 anos de idade, por várias vezes, partiu de Marabá para São Luís do Maranhão, acompanhado de outros adolescentes. Levando apenas um pouco de comida, o garoto narrou que esperava o trem parar na estação para então entrar no vagão de minério. Nas ruas da capital maranhense, ele passava vários dias dependendo de comida de estranhos. E quando os funcionários da Vale o pegavam, era levado ao Conselho Tutelar.
“Eu ia por aventura. É fácil embarcar”, afirma o adolescente, que tem o rosto não identificado no vídeo.
A mãe, também com rosto não revelado, recorda as mais de sete vezes que o filho partiu, enfatizando a maneira fácil dele ir para o trem.
“As viagens atrapalharam estudos. Mais de seis meses lá. Eu fico sofrendo sem dormir e comer. Fui duas vezes buscar meu filho. Passei a noite toda num bar sem conhecer ninguém na esperança de encontrar”, recorda.
No segundo caso, um jovem de São Luís, já com 16 anos, começou suas “aventuras inconsequentes” aos 10 anos.
Mas, sem sombra de dúvidas, o caso mais emblemático dos efeitos desse fenômeno foi visto quando a promotora de Justiça da Infância e Juventude entrevistou ao vivo um jovem de 19 anos, que entrou mascarado no plenário da CMM pedindo para se referirem a ele pelo nome fantasia Brad Pitt.
Além de confirmar com maiores detalhes as facilidades que os menores tem de entrar nos vagões, Brad Pitt que teme sofrer retaliações, relatou que em algumas das vezes que foi pego pelos agentes de segurança da Vale S.A. sofreu lapadas de facão, coronhadas e outras ofensas. Certa vez, ele foi empurrado de cima do vagão a ponto de sofrer grave ferimento na perna, do qual ainda existem sequelas.

MP DO PARÁ E DO MARANHÃO UNEM FORÇAS PRA SOLUCIONAR
Em São Luís datam desde 2005, e em Marabá desde 2003, as referências a essa prática nominada meninos do trem. Por conta disso, os MPs dos dois estados deram as mãos para coibir o fenômeno que tem afetados centenas de crianças e adolescentes. Inclusive a parceria tem buscado informações junto aos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, que também possuem estradas de ferro, e pode ser que tenham o mesmo problema.
No quadro de dados apresentados durante a audiência, em 2003, cerca de 109 menores fizeram as viagens de risco. Já em 2008 foram 195. Porém, segundo a Vale, desde 2009 esse número caiu para uma média de 17 ao ano.
De acordo com Lilian Freire, tem que se exigir da empresa medidas sérias e eficazes para coibir essas viagens, que resultam em exploração sexual, uso de drogas, haja vista que os menores vão para lugares sem amparo nenhum.
São mais de 900 quilômetros de extensão a composição da ferrovia, tendo os trens algo em torno de 3 Km de comprimento. Isso representa um espaço mais que o suficiente para que crianças e adolescentes se tornem vítimas fáceis de acidentes, lesões corporais, mortes e outras fatalidades.
O público riu de um fato que a promotora contou sobre um garoto que dizia gostar de vir de São Luís e ficar nas ruas de Marabá, porque a cidade é bonita. Porém, Freire ressaltou o grau de risco à vida da criança. 
Antônio Celso Brasiliano apresenta relatório que vai
contra posição do técnico canadense e da
avaliação do Ministério Públic
o
O discurso do promotor do MPMA, Marcio Tadeu da Silva Marquês, tratou dos direitos desse segmento de menores empregando o termo “invisíveis”. Isso porque ele entende que o poder público não tem se interessado como devia ao saber da condição de vida deles.
Marquês comentou que o trabalho do Maranhão, na capital, foi de provocar a Agência Nacional de Transporte em Terra (ANTT), porém, a entidade deu a entender que não identificou nenhuma falha na conduta de segurança da Vale.
O promotor ressaltou ainda que o espírito de aventura dos juvenis, bem como outras causas de ordem econômica e cultural, não minimiza a responsabilidade da Vale em garantir segurança dos menores. Ele criticou que a facilidade ao acesso das composições de carga do trem é de total responsabilidade da empresa. 
Para Brasiliano, o problema envolve Estado, Família e
a empresa Vale. E aponta a evasão escolar, a falta de
políticas públicas e a negligência familiar como algumas
das principais causas da condição de vulnerabilidade
que afeta crianças e adolescentes 
"Não é mais importante o resultado financeiro da Vale S.A. do que a vida de uma criança e o padecimento de uma mãe ou dos familiares. São as responsabilidades técnicas e operacionais com que a Vale pode dar cobro a isso. Então, é necessário uma postura institucional", afirma.
Marquês ainda questionou o fato da mineradora não garantir a segurança das crianças e adolescentes que são vitimados na ferrovia.
“Se a Vale tem tecnologia para saber, em tempo real, a temperatura de cada roda de uma composição do trem, não me parece impossível que se faça a vistoria com qualidade”, considera.


AVALIAÇÃO DE ENGENHEIRO CANADENSE DIZ QUE SISTEMA DE SEGURANÇA DA VALE É INSUFICIENTE 
Engenheiro canadense vê falhas do 
sistema de segurança da VALE

O parecer do engenheiro canadense, James Raymond Bertrand, foi um dos momentos mais esperados da Audiência. Depois de relatar que a Vale não contribuiu com nenhum elemento em todo o período que estudou a ferrovia, apresentou uma avaliação do documento judicial que a mineradora utiliza para orientar a parte de segurança do sistema ferroviário e transporte de minério.
Com mais de 40 anos na atuação na área de ferrovias, a avaliação apresentada por Bertrand foi aterradora.
“O relatório deveria mostrar onde as crianças subiam e onde elas sofreriam acidentes, mas nada havia. Deveria apresentar medidas para prevenir acidentes ou atropelamentos, e diz apenas que as locomotivas remotas são fechadas, só que nada fala de como evitar atropelamento. O relatório teria que dizer sobre a verificação das luzes de segurança, mas não fazia. Deveria instalar câmeras, mas a empresa se limitou”, fala o profissional através de uma tradutora.
Outro tópico apurado por Bertrand foi o relacionamento entre as crianças e agentes da Vale, ou seja, como deveria a equipe de segurança lidar com elas. No relatório não há menção alguma. Também deveria falar do relacionamento entre Vale e Conselho Tutelar, contudo, só dizia que não funciona. Deveria mostrar o relacionamento da Vale com instituições que trabalham com crianças e adolescentes, porém, há somente fotos bonitas do Conselho Tutelar e nada por escrito. 

“O canadense observou ainda que ao duplicar a ferrovia vai otimizar o tráfego de trens. E como as novas descobertas da Vale estão fazendo aumentar as cargas, vão aumentar muito mais esses problemas”, enfatiza.

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