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quarta-feira, 10 de agosto de 2022

DIA DOS PAIS - POEMAS SELECIONADOS













DIA DOS PAIS - TEXTOS SELECIONADOS

Como professor de Linguagens e amante da arte literária eu não poderia deixar de reunir, no Blog Olhar do Alto (BOA), uma singela seleção de poemas que nos convidam a refletir sobre dilemas e vicissitudes acerca da paternidade. 

Espero que gostem. Aqui estão alguns dos literatos que particularmente gosto, leio e releio. Sem sombra de dúvidas, as palavras desses artistas conseguem passear no labirinto dos nossos sentimentos, e até nos abismos dos pensamentos, para que possamos retornar melhores para a superfície da vida. 

Boa leitura!


Pai

Carlos Edu Bernardes

Meu pai tem Alzheimer

e todo dia me pergunta

que dia é hoje.

Eu digo que é Dia dos Pais

e tasco-lhe mais um abraço.

 

As mãos de meu pai

Mario Quintana

As tuas mãos têm grossas veias

como cordas azuis

sobre um fundo de manchas

já da cor da terra

— como são belas as tuas mãos

pelo quanto lidaram, acariciaram

ou fremiram da nobre cólera dos justos…

Porque há nas tuas mãos, meu velho pai,

essa beleza que se chama simplesmente vida.

E, ao entardecer, quando elas repousam

nos braços da tua cadeira predileta,

uma luz parece vir de dentro delas…

Virá dessa chama que pouco a pouco,

longamente, vieste alimentando

na terrível solidão do mundo,

como quem junta uns gravetos

e tenta acendê-los contra o vento?

Ah, como os fizeste arder, fulgir,

com o milagre das tuas mãos!

E é, ainda, a vida que transfigura

as tuas mãos nodosas…

essa chama de vida —

que transcende a própria vida…

e que os Anjos, um dia,

chamarão de alma.

 

Visita

Ferreira Gullar

no dia de

finados ele foi

ao cemitério

porque era o único

lugar do mundo onde

podia estar

perto do filho mas

diante daquele

bloco negro

de pedra

impenetrável

entendeu

que nunca mais

poderia alcançá-lo

 

Então

apanhou do chão um

pedaço amarrotado

de papel escreveu

eu te amo filho

pôs em cima do

mármore sob uma

flor

e saiu

soluçando

 

A voz do meu pai

Manoel de Barros

Abro os olhos.

Não vejo mais meu pai.

Não ouço mais a voz de meu pai.

Estou só. Estou simples.

Não como essa poderosa

voz da terra

com que me estás chamando, pai —

porque as cores se misturam

em teu filho ainda

e a nudez e o despojamento

não se fizeram em seu canto;

mas, simples por só acreditar

que com meus passos incertos

eu governo a manhã

feito os bandos de andorinha

nas frondes do ingazeiro.

 

Distinção

Carlos Drummond de Andrade

O Pai se escreve sempre com P grande

em letras de respeito e de tremor

se é Pai da gente. E Mãe, com M grande.

O Pai é imenso. A Mãe, pouco menor.

Com ela, sim, me entendo bem melhor:

Mãe é muito mais fácil de enganar.

(Razão, eu sei, de mais aberto amor.)

 

Impressionista

Adélia Prado

Uma ocasião,

meu pai pintou a casa toda

de alaranjado brilhante.

Por muito tempo

moramos numa casa,

como ele mesmo dizia,

constantemente amanhecendo.

 

Soneto ao pai

Edival Lourenço

Oh! Fluida infância! Pátria faz-de-conta!

Pobre de coisas com riqueza d’alma:

palhoça, vento, verde, aves e calma

para fruir a vida em toda monta.

 

Aquele ano choveu além da conta

e abriu-se um olho d’água em nossa casa

que meu pai ajudou, com fina vaza,

fazer o arroio: do Araguaia ponta.

 

Encanta-me o sentido que propala.

Maior riqueza, sei, ninguém encontra:

o nascente Araguaia nos escala.

 

A vida tem o rio a inspirá-la:

mereja, empoça, entorna, enfim desponta

promissora qual jorro de olho d’água!

 

Teus velhos sapatos manchados de terra

Vinicius de Moraes

Meu pai,

dá-me os teus velhos sapatos

manchados de terra

dá-me o teu antigo paletó

sujo de ventos e de chuvas

dá-me o imemorial chapéu

com que cobrias a tua paciência

e os misteriosos papéis

em que teus versos inscreveste.

meu pai,

dá-me a tua pequena

chave das grandes portas

dá-me a tua lamparina de rolha,

estranha bailarina das insônias

meu pai, dá-me os teus velhos sapatos.

 

O pai

Pablo Neruda

Terra de semeadura inculta e brava,

terra que não tem estreitos nem sendas,

minha vida sob o sol treme e alarga.

Pai, os teus olhos doces nada podem,

como nada puderam as estrelas

que me abrasam os olhos e as fontes.

O mal de amor cegou a minha vista

e nesta fonte doce do meu sonho

refletiu-se outra água estremecida.

Depois… Pergunta a Deus por que me deram

o que me deram e por que depois

soube da solidão de terra e céu.

Olha, minha juventude foi broto

puro que ficou sem abrir, perdeu

sua doçura de sangues e de sucos.

O sol que cai e cai eternamente

cansou-se de beijá-la… E sendo outono,

Pai, os teus olhos nada podem.

Escutarei na noite tuas palavras:

menino, meu menino…

e na noite imensa seguirei

com as minhas e as tuas chagas.

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