DIA DOS PAIS - TEXTOS SELECIONADOS
Como professor de Linguagens e amante da arte literária eu não poderia deixar de reunir, no Blog Olhar do Alto (BOA), uma singela seleção de poemas que nos convidam a refletir sobre dilemas e vicissitudes acerca da paternidade.
Espero que gostem. Aqui estão alguns dos literatos que particularmente gosto, leio e releio. Sem sombra de dúvidas, as palavras desses artistas conseguem passear no labirinto dos nossos sentimentos, e até nos abismos dos pensamentos, para que possamos retornar melhores para a superfície da vida.
Boa leitura!
Pai
Carlos Edu Bernardes
Meu pai
tem Alzheimer
e todo dia
me pergunta
que dia é
hoje.
Eu digo
que é Dia dos Pais
e
tasco-lhe mais um abraço.
As mãos de meu pai
Mario Quintana
As tuas
mãos têm grossas veias
como
cordas azuis
sobre um
fundo de manchas
já da cor
da terra
— como são
belas as tuas mãos
pelo
quanto lidaram, acariciaram
ou
fremiram da nobre cólera dos justos…
Porque há
nas tuas mãos, meu velho pai,
essa
beleza que se chama simplesmente vida.
E, ao
entardecer, quando elas repousam
nos braços
da tua cadeira predileta,
uma luz
parece vir de dentro delas…
Virá dessa
chama que pouco a pouco,
longamente,
vieste alimentando
na
terrível solidão do mundo,
como quem
junta uns gravetos
e tenta
acendê-los contra o vento?
Ah, como
os fizeste arder, fulgir,
com o
milagre das tuas mãos!
E é,
ainda, a vida que transfigura
as tuas
mãos nodosas…
essa chama
de vida —
que
transcende a própria vida…
e que os
Anjos, um dia,
chamarão
de alma.
Visita
Ferreira Gullar
no dia de
finados
ele foi
ao
cemitério
porque era
o único
lugar do
mundo onde
podia
estar
perto do
filho mas
diante
daquele
bloco
negro
de pedra
impenetrável
entendeu
que nunca
mais
poderia
alcançá-lo
Então
apanhou do
chão um
pedaço amarrotado
de papel
escreveu
eu te amo
filho
pôs em
cima do
mármore
sob uma
flor
e saiu
soluçando
A voz do meu pai
Manoel de Barros
Abro os
olhos.
Não vejo
mais meu pai.
Não ouço
mais a voz de meu pai.
Estou só.
Estou simples.
Não como
essa poderosa
voz da
terra
com que me
estás chamando, pai —
porque as
cores se misturam
em teu
filho ainda
e a nudez
e o despojamento
não se
fizeram em seu canto;
mas,
simples por só acreditar
que com
meus passos incertos
eu governo
a manhã
feito os
bandos de andorinha
nas
frondes do ingazeiro.
Distinção
Carlos Drummond de Andrade
O Pai se
escreve sempre com P grande
em letras
de respeito e de tremor
se é Pai
da gente. E Mãe, com M grande.
O Pai é
imenso. A Mãe, pouco menor.
Com ela,
sim, me entendo bem melhor:
Mãe é muito
mais fácil de enganar.
(Razão, eu
sei, de mais aberto amor.)
Impressionista
Adélia Prado
Uma
ocasião,
meu pai
pintou a casa toda
de
alaranjado brilhante.
Por muito
tempo
moramos
numa casa,
como ele
mesmo dizia,
constantemente
amanhecendo.
Soneto ao pai
Edival Lourenço
Oh! Fluida
infância! Pátria faz-de-conta!
Pobre de
coisas com riqueza d’alma:
palhoça,
vento, verde, aves e calma
para fruir
a vida em toda monta.
Aquele ano
choveu além da conta
e abriu-se
um olho d’água em nossa casa
que meu
pai ajudou, com fina vaza,
fazer o
arroio: do Araguaia ponta.
Encanta-me
o sentido que propala.
Maior
riqueza, sei, ninguém encontra:
o nascente
Araguaia nos escala.
A vida tem
o rio a inspirá-la:
mereja,
empoça, entorna, enfim desponta
promissora
qual jorro de olho d’água!
Teus velhos sapatos manchados de terra
Vinicius de Moraes
Meu pai,
dá-me os
teus velhos sapatos
manchados
de terra
dá-me o
teu antigo paletó
sujo de
ventos e de chuvas
dá-me o
imemorial chapéu
com que
cobrias a tua paciência
e os
misteriosos papéis
em que
teus versos inscreveste.
meu pai,
dá-me a
tua pequena
chave das
grandes portas
dá-me a
tua lamparina de rolha,
estranha
bailarina das insônias
meu pai,
dá-me os teus velhos sapatos.
O pai
Pablo Neruda
Terra de
semeadura inculta e brava,
terra que
não tem estreitos nem sendas,
minha vida
sob o sol treme e alarga.
Pai, os
teus olhos doces nada podem,
como nada
puderam as estrelas
que me
abrasam os olhos e as fontes.
O mal de
amor cegou a minha vista
e nesta
fonte doce do meu sonho
refletiu-se
outra água estremecida.
Depois…
Pergunta a Deus por que me deram
o que me
deram e por que depois
soube da
solidão de terra e céu.
Olha,
minha juventude foi broto
puro que
ficou sem abrir, perdeu
sua doçura
de sangues e de sucos.
O sol que
cai e cai eternamente
cansou-se
de beijá-la… E sendo outono,
Pai, os
teus olhos nada podem.
Escutarei
na noite tuas palavras:
menino,
meu menino…
e na noite
imensa seguirei
com as
minhas e as tuas chagas.
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