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quarta-feira, 30 de março de 2016

LITERATURA - O sofrimento que deixo nos livros

Recentemente, li esta obra de Mia Couto, escritor
moçambicano. Não só por ela, mas por ser
professor, escrevi essa reflexão de hoje. 
Há dez anos compartilho com meus alunos a beleza da arte literária. É difícil encontrar algo tão prazeroso quanto ser professor de literatura. Gosto de interagir com o alunado através dos livros, ouvindo-os recitar poemas, narrar histórias, se emocionar com dramas e comentar romances. Há estudantes que choram, outros... o silêncio.   
É uma honra e um privilégio.
E se tem uma parte interessante na literatura é seu poder de alívio, de purificação das paixões. A isto chamamos função catártica. Ou seja, as coisas que acontecem no dia a dia e os nossos sentimentos – quer bons ou ruins, quer confusos ou sem classificação – encontram afinidade na “história de vida” das personagens ou nas palavras dos poetas. 
É uma experiência incrível. 
Também é incrível, embora pouco comentado, que a catarse não acontece somente entre o leitor e o livro. Ela ocorre quando se escreve. 
Foi passando para o papel que muitos homens e mulheres – que hoje ganham o título de escritores – diminuíram um pouco da dor do mundo. Ou louvaram a beleza do mundo. 
Cantores, dramaturgos, roteiristas de cinema... todos aliviaram os conflitos que sentiam criando, e sorrindo, chorando, sangrando ou gritando pro papel as palavras que não aguentavam mais. 

É uma forma de matar a dor. E não se deixar ser morto por ela. 

Vale lembrar que os pintores fizeram o mesmo com cores e formas. Eles sofriam até com o futuro. De alguma forma, seus quadros conseguiam aplacar um pouco dessa angústia. 
Mesmo os poetas que fingem um sofrimento, inventam e “fantasiam”, é o sofrimento de algum alguém. 
Como disse o filósofo paraense, Benedito Nunes, a catarse é um efeito estético provocado pela arte, cuja influência se estende ao plano moral da vida. Nossos pensamentos, sentimentos e atitudes recebem o efeito que as obras literárias transportam, como se levassem um poder latente que os poetas deram a elas. 
É com a dor deles – papel sangrado – que muitos de nós têm satisfação hoje. Quantas historinhas ficcionais não começaram de uma lágrima, que fez a mão ir amar-se do lápis e socorrer-se no papel?  
É um fato extraordinário, sem sombra de dúvidas, porque opera uma transformação única nesse processo, em que a dor do outro faz brotar flores no jardim da minha mente e o cheiro delas no meu coração, a esperança. 
Precisamos desses artistas para alguma coisa? 
“O céu estrelado vale a dor do mundo”. Penso que, não poucas vezes, eu precisei da Adélia Prado falando isso pra mim. Ave, poeta mineira!

Do mesmo modo tenho uma dor. Sinto que é grande minha necessidade de me livrar dela. Escrevê-la. Eu diria: I need some “relief”, mas não como o Tyrion do Game of Thrones. Isto é, não preciso ver ninguém morrer.  

Mas, por enquanto, o único lugar que meu padecimento está escrito é no coração. 

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