O que acontece em Marabá, cidade polo da região sudeste do Pará, não está distante das grandes
cidades e capitais do Brasil. A moda do Funk Proibidão está fazendo vítimas desde a infância. As letras e danças - o conteúdo dessa linha do funk - têm funcionado como estratégia de ataque às mentes e aos corpos dos menores. Tem servido como ferramenta sutil, que favorece a exploração sexual de crianças e adolescentes.
Isso
ocorre porque surgem, em escala industrial, músicas que destacam a sexualidade exagerada e a covardia, de forma agressiva, que se vale do apelo à libido humana. E isso tem passado - aparentemente - sem nenhuma ou pouca preocupação ou regulação dos
impactos que podem causar na mentalidade juvenil.
O funk é um estilo musical oriundo das favelas do Rio de
Janeiro, e se popularizou a partir dos anos 70, quando começaram a ser
realizados bailes black, soul e funk. Pela notoriedade foi derrubando muitos preconceitos.
Mas, com a fama, vieram também em peso as críticas. Especialmente à corrente do
“Proibidão”, que ganhou repercussão no Brasil em meados dos anos 90 - década em que vivi boa parte da minha adolescência.
Já é bastante conhecida a polêmica que o conteúdo desse tipo
de música provoca, seja por fazer apologia ao crime organizado, seja por criar
a utopia da ostentação. E mais. Era de se esperar que o tratamento de
ridicularização da mulher, do corpo e valores femininos – por exemplo, vendida que nem objeto sexual –, fosse
o ponto mais alto da polêmica, causada pelas letras do funk erotizador.
No entanto, existe outro maior. A pornofonia, um termo simples encontrado
no livro “O criminalista”, escrito por Vinicius Bitencourt, um advogado
capixaba, que diferencia os palavrões proferidos em oposição à pornografia, que
seriam palavrões escritos. Somadas aos palavrões, as músicas passaram a ser
verdadeiros retratos de cenas de sexo explícito. Por consequência, o que era
apelo à libido, agora se tornou uma cruel propaganda em favor da promiscuidade
e da imoralidade, invadindo a menoridade.
Vale ressaltar que nem todos os músicos viram a linha do Funk Proibidão
como “evolução técnica”. O próprio Dj Malboro, personalidade ilustre que
contribuiu na divulgação funk por todo o país, considerou essa corrente distante do
que ele faz enquanto artista.
As facilidades do mundo tecnológico como a internet (cujo contexto hoje é bem diferente do vivido pelas classes mais populares na década de 90),
celulares e som automotivo potencializaram a divulgação da pornofonia numa escala ameaçadora. Qualquer pessoa passa
a ter o contato ou possui o conteúdo musical do proibidão, a qualquer hora e
em qualquer lugar. De fato, até as pessoas que não gostam ou sequer aprovam a
força pornofônica acabam tendo que conviver com ela.
Na prática, esse contexto tem também todas as facilidades
para que as crianças e adolescentes ouçam, cantem, até descobrir o sentido das
músicas do Funk Proibidão. Nas ruas, nas escolas, nos lares, principalmente na
solidão dos quartos, o material está sendo consumido.
Agora, a grande preocupação reside no que elas vão fazer
conscientes do significado. Aliás, o problema maior é medir se elas terem
conhecimento disso na menoridade, é saudável ou não, ou se coloca a meninada em
condições de vulnerabilidade.
Deveria ser facílimo responder. Porque, juridicamente,
conteúdo pornográfico é proibido para menores de 18 anos. Então, é consenso
legal que a sociedade não quer os juvenis expostos antes de terem maturidade,
antes de estarem minimamente preparados para tomar decisões referentes à
própria sexualidade.
O problema é que ninguém quer ser taxado de careta ou
preconceituoso ao dizer não. Muito menos querem ser vistos como aqueles que
estão censurando e roubando a liberdade dos juvenis. No entanto, todos tem o
direito de dizer não. E direito, por exemplo, até de ser contra a indústria do
sexo. Muito mais o direito de lutar contra as formas ilegais de sexualizar os
juvenis.
É bem verdade que a culpa ou receio em relação a opinião
alheia é uma das amarras da atualidade. As pessoas pouco percebem que estão
sendo obrigadas a parar de pensar por si só. E são ensinadas ou acomodadas a
acatar tudo que aparece na modernidade como sendo bom para o futuro. Não são
poucos os pensadores, políticos e a imprensa que usam a bandeira da revolução
cultural, para violar a mentalidade dos outros e transformar a democracia em
alienação.
A erotização das crianças no Brasil está ocorrendo em “nível
nacional”. Parece até redundante a sentença anterior, só que, na verdade, ela
só precisa ser esclarecida.
Fala-se em escala nacional não apenas no sentido de que os
menores estão sendo alvo de sexualização precoce, em todos os estados
brasileiros, porque os pais, a escola e sociedade ao invés de unirem forças
para educá-los, pouco fazem contra aqueles que os tentam prostituir. Existe algo
mais preocupante ainda.
A escala nacional tem a ver com a questão da legitimação, da
legalidade. Isto é, os órgãos competentes, que deveriam proteger e garantir a qualidade
na formação até os 12 anos, estão assistindo tudo com naturalidade. Em todo o
Brasil, a sociedade presencia celebridades batendo palmas para a pornofonia. O
pior é que muitas vezes exaltam aquilo que atropela a lei brasileira.
Um dos casos mais recentes é do MC Pedrinho, que para
publicar o hit “Dom Dom Dom”, teve que criar uma “versão light”. Como se vê no
trecho abaixo que é o começo da música:
“Dom, dom,
dom, dom, dom, dom
Eu tava aqui no baile, escutando aquele som
Dom dom
dom, dom dom dom
Vi logo uma novinha descendo até o chão”.
O que na verdade é uma adaptação feita para burlar as regras
do YouTube e do Código Penal Brasileiro. A letra desse mesmo hit, que se
espalhou pelo país, tem notadamente um conteúdo pornofônico, como se vê abaixo na parte que começa a música "heavy":
“Dom, dom,
dom, dom, dom, dom, dom
Tava aqui no baile, escutando aquele som
Dom, dom
dom, dom dom dom, dom
Ajoelha, se prepara e faz um boquete bom".
Enfim, já estão aceitando com naturalidade a ponto de se perder qualquer impacto ou perplexidade perante os vídeos de crianças dançando seminuas.
As pessoas compartilham nas redes sociais sem criticar muitas vezes como se
fosse tudo normal.
Se aos 12 anos, MC Pedrinho começou cantando a versão mais
pesada do funk, imagine o que virá nesse ritmo de sociedade.
Vale lembrar que, recentemente, ele resolveu mudar o estilo
para conseguir ser melhor aceito em todas as idades. Em entrevista ao R7, o garoto
diz que preferiu mudar por conta de sua pouca idade. Na versão proibida de “Dom
Dom Dom”, que acabamos de ver, ele fala de sexo oral. Já na permitida para
menores, ele elogia o rebolado da novinha no baile. E assim ele pretende fazer
com seu repertório.
Agora, tendo uma média de 30 shows por mês e faturando cerca
de R$ 150 mil, será que MC Pedrinho vai parar? Na verdade, esta questão é a que
menos importa aqui. Sabe por quê? A questão mais inacreditável e importante do
momento é outra. Como pode um país ser tão hipócrita assim, a ponto de termos
uma lei de proteção à crianças e adolescentes que firma algo, e na vida real,
ninguém vê as autoridades fazendo nada contra?
Só pode haver uma resposta para tamanha hipocrisia. A indústria do sexo, seja a
legal ou a criminosa, está bancando muita gente para que esqueçam o tamanho da
responsabilidade que é ter olhos, quando os outros os perderam.
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