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segunda-feira, 25 de novembro de 2013

COMPLEXO DE ÉDIPO, SOB A ÓTICA DE J. –D. NASIO, APLICADO À OBRA DE TEOLINDA GERSÃO, A ÁRVORE DAS PALAVRAS

(Pesquisa elaborada enquanto estudante de Letras na Universidade Federal do Pará - UFPA, hoje interiorizada como Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará - UNIFESSPA)
CONCEITOS DO COMPLEXO DE ÉDIPO, SOB A ÓTICA DE J. –D. NASIO, APLICADOS À OBRA DE TEOLINDA GERSÃO, A ÁRVORE DAS PALAVRAS – ENSAIO ENTRE LITERATURA E PSICOLOGIA
Anderson Damasceno Brito
Introdução
Psicanalista e psiquiatra clínico, Juan-David Nasio, lecionou por trinta anos na Universidade de Paris VII-Sorbonne e atualmente dirige os seminários psicanalíticos de Paris. Tem mais de dez títulos publicados no Brasil, destacando-se: Lições sobre os 7 conceitos cruciais da psicanálise; O prazer de ler Freud; Como trabalha um psicanalista? e O livro da dor e do amor. 
No livro Édipo: o complexo do qual nenhuma criança escapa, Nasio faz uma análise acerca das principais questões em torno do complexo, tomando como base parte dos pensamentos de Freud, Lacan e, minimamente, de Dolto. Ele não deixa de ressaltar mais vezes sua postura dialogando com os mestres. É de fato um livro sobre o conceito mais crucial da psicanálise, que abre as portas dessa ciência para o leigo e sumariza o complexo de Édipo para os especialistas. São as implicações na vida social, seja no âmbito familiar, educacional e artístico, e as questões em torno desse conceito que compõem o propósito deste artigo.
Desenvolvimento
            O título do livro já aponta um princípio que acarreta parte do status científico dedicado ao complexo, ou seja, observa-se a universalidade do complexo de Édipo. “Nenhuma criança escapa”. De fato, há uma lei imprescindível arrolada na estrutura genética do Homo sapiens, que determina seus estados biológicos e psicológicos, por mais vária que seja, ela implica em cada situação que um indivíduo esteja submetido.
Ressaltando Freud, Nasio explicita esse “fado” por ser a criança um ente herdeiro de certo esquema filogenético, que será realizado mesmo que suas experiências pessoais não sejam deliberadas (p. 132). Diz-se deliberadas, em virtude do complexo acontecer (na criança) a despeito de qualquer coisa, até mesmo de ser o adulto (pais) consciente de tal realidade.
Respondendo a um dos porquês sobre o complexo, Nasio assegura: “Porque nenhuma criança escapa à torrente das pulsões nela desencadeadas entre os três ou quatro anos de idade, e porque nenhum adulto de seu círculo imediato consegue evitar desempenhar o papel de alvo das pulsões e de canal para drená-las.” (p. 6). E, na parte de abertura do livro, o autor tenta definir o status do complexo de Édipo como polivalente, híbrido, uma vez que tem em sua conjuntura: realidade, fantasia, conceito e mito. Contudo, vale assegurar que: “para o psicanalista que somos, o Édipo permanece antes de tudo uma fantasia” (p. 14). O que para Nasio é muito claro definir, devido às imagens forjadas no inconsciente da criança não se consumarem como tais na realidade; a criança não vai descarregar suas pulsões sexuais da mesma forma como os adultos comumente o fazem.              
            Antes de entrarmos no Édipo do menino e no da menina, é importante validar o quanto foi significativo as confissões e os casos clínicos de homens e mulheres, para a descoberta do complexo de Édipo; bem como que solução ele traz aos trabalhos clínicos; e o que é o “Falo” para a criança e para a psicanálise.
Por observar as recordações de caráter sexual que os pacientes adultos tinham, ou melhor, quando o psicanalista tentava puxar pelo fio da memória alguma cena ou sensação adormecida, que leva a uma experiência sexual do adulto (quando criança), experiência forjada ao nível da fantasia, é que o complexo de Édipo foi de certa forma se comprovando. Os pacientes adultos conseguiam relatar, trazer a consciência essa “aventura sexual” com seus pais.  Não foi o advento das ciências em torno da psique nem mesmo a comprovação desse estágio, obrigatoriamente universal, e por que não dizer tão insolúvel quanto marcante na vida de cada pessoa, que geraram o complexo. O complexo existia muito antes da ciência descobri-lo.
Nasio esclarece que o complexo de Édipo foi descoberto por Freud a partir do relato de cenas de sedução, que seus pacientes adultos acreditavam ter vivido na infância; pois o complexo:
não é uma realidade observável, mas uma fantasia sexual forjada pela criança sob a pressão de seu desejo incestuoso. O conteúdo dessa fantasia é frequentemente uma cena de sedução sexual exercida pelo adulto. [...] embora criada na infância e sempre em ação no adulto neurótico, deverá ser reconstruída pelo analista ao longo do tratamento. (pp. 132 - 133)
E a solução que o conceito do Édipo oferece está no fato de entendermos como se forma a identidade sexual, de homem e de mulher, no ser humano. Dependendo de como for o “ciclo” edipiano deste, poderá se encontrar a razão de seus sofrimentos neuróticos. Nasio defende que sexualidade e neurose estão extremamente ligadas pelo que “a neurose resulta de uma sexualidade infantil perturbada, interrompida em sua maturidade, hipertrofiada ou, ao contrário, inibida” na relação com seus pais. (p.67).
Assim sendo, o Édipo traz à luz a compreensão de como um adulto neurótico se formou (identidade sexual e neurose) por causa do caminho que o desejo incestuoso percorreu. Nasio explica essa relação citando Freud: “O desejo de ter um filho com a mãe nunca falta no menino, o desejo de ter um filho do pai é constante na menina, e isso quando são totalmente incapazes de fazer uma idéia clara do caminho que pode levar à realização desses desejos.” (p.133).
No menino e na menina o Falo é uma fantasia de ser onipotente, é o canal das sensações erógenas. Ele representa a fonte do desejo na criança. O Falo é algo imaginário e faz a criança sentir-se onipotente com seu pênis, pênis enquanto objeto mágico de desejo. Embora seja o menino o portador do pênis como órgão máximo de sensações prazerosas, para Nasio, na cabeça tanto do menino como da menina há a presença do Falo. Isso é o que Freud chama de fase fálica. “Durante essa fase, as crianças, meninos ou meninas, acham que todas as criaturas do mundo são dotadas de um Falo, isto é, que todas as criaturas são tão fortes quanto elas.” (p. 23).
No menino, o percurso do Édipo pode ser vário. Tudo começa com os três desejos incestuosos que podem tomar conta do corpo do menino. Desejo enquanto aquilo que nos leva a buscar o prazer na carne do outro (p. 25). Acerca desse desejo, Nasio pontua: “É um desejo virtual, nunca saciado, cujo objeto é um dos pais e cujo objetivo seria alcançar não o prazer físico, mas o gozo” (p. 25); o corpo dos pais configura o desejo incestuoso como o padrão de todos os outros desejos, uma vez que representa a alegoria de retorno ao estado de beatitude que a criança possuía em sua fase intra-uterina (p. 26). Ainda que por um breve momento, o gozo nos remete ao estágio pleno de satisfação no qual outrora a criança esteve, e/ou nós estivemos.
Há o desejo de possuir o corpo do outro, geralmente o da mãe; ou desejo de ser possuído pelo outro, isto é, o pai; e o desejo de suprimir o corpo do outro. De alguma forma, em meio suas fantasias na fase edipiana, o menino realiza um desses desejos; e é mister compreender que “a cena fantasiada não é obrigatoriamente consciente e que ela com freqüência se traduz na vida cotidiana da criança por um sentimento,  um comportamento ou uma fala” (p. 28). Muito menos sem o adulto perceber, algumas atitudes propriamente infantis ou que uma pessoa, ao olhar certo menino, diz que não entende o porquê dele puxar algo (como a barra da saia da mãe), pode estar presenciando um momento de realização sexual ante os seus olhos, mas que de fato ocorre ao nível virtual dos desejos fantasiosos da criança. Outro exemplo prático Nasio oferece em:
Ser espancado pelo pai é uma fantasia que satisfaz parcialmente o desejo incestuoso de um menino de ser possuído sexualmente pelo pai. A dor física torna-se então prazer sexual. A propósito, observemos que um incidente traumático de grande violência física ocorrido na infância ou na adolescência pode determinar em um homem a posição sexual passiva (masoquismo) em relação a um parceiro masculino ou feminino que o domina e degrada. (p. 134)
            Além do desejo e das fantasias, o menino sofre a angústia da castração, pois passa a perceber que seu Falo pode ser perdido. Aqui entra a imagem que o pai pode assumir perante cada uma das três fantasias que o menino pode ter. O pai repressor ameaça o menino em sua relação com a mãe, proibindo-o de realizar em sua mãe o Falo; o pai sedutor ameaça abusar do menino, roubando sua virilidade; e o pai rival que mais uma vez ameaça o falo do menino, e que este deseja destruir o pai.
            A menina percorre o complexo de Édipo em três fases. Na primeira, a fase pré-Edipiana, ela também deseja possuir a mãe, pois esta é quem primeiro a amamenta, quem limpa seu ânus e a satisfaz, o que a torna objeto de desejo da filha mediante as sensações clitoridianas (p.50). Porém, quando a menina percebe que a forma de seu Falo é diferente do menino, o que a leva a buscar no corpo masculino sua realização, ela passa a querer um pênis maravilhoso. Ela está entrando na fantasia da privação porque a mãe não poderá ajudar munindo-a de um pênis. A menina sofre por perceber que “perdeu” o que nunca teve e se subtrai do corpo da mãe resoluta, em dor, decepção, solidão. Essa é a segunda fase.
            Então, para resolver sua situação, sendo movida pela inveja do Falo, a menina vai procurar no pai quem a possa doar a onipotência. O psicanalista descreve esse estágio, pois, “agora um novo personagem entra em cena: é o pai maravilhoso, grande detentor do Falo. É quando a menininha magoada e sempre ciumenta volta-se para ele a fim de se refugiar e se consolar, mas também para lhe reivindicar seu poder e sua potência” (p. 54). Agora sim a mulher está na fase Edipiana. Só que há um problema, o menino para resolver sua situação com Falo se acovarda ante a lei que o pai lhe imprime, mas a menina, jamais poderá fugir sob a pena de nunca encontrar o Falo.
            Então, o que ela faz? “A menina aceita recalcar seu desejo de ser possuída pelo pai, sem com isso renunciar à sua pessoa. Enquanto o menino Edipiano resigna-se a perder a mãe por covardia, por sua vez, a menina, que nada mais tem a perder, obstina-se audaciosamente a se apoderar do pai. [...] Ela mata seu pai fantasiado, mas o ressuscita como modelo de identificação” (pp. 56-57). Encontrando tangencialmente uma saída para sua privação, agora a menina está pronta a sair do Édipo com as ressalvas de que sua identificação é dupla: a feminilidade da mãe e a virilidade do pai são assimiladas (absorvidas); e que sua feminilidade permanece um enigma não-resolvido (p. 58). Desta forma, quando mulher, ela transformará seu desejo de ser possuída pelo pai no desejo de ser possuída pelo homem amado. Em resumo, Nasio diz, sobre as três fases:
A fase pré-edipiana, na qual a menina em posição masculina deseja a mãe como objeto sexual; a fase que designo como “dor da privação”, durante a qual a menina fica sozinha, mortificada e com inveja do menino; e, finalmente, a fase propriamente edipiana na qual a menina é arrebatada pelo desejo feminino de ser possuída pelo pai. (p. 135)
            Antes de adentrarmos às neuroses que o adulto, homem ou mulher, pode carregar em todo seu tempo de vida, vejamos os frutos básicos que o complexo de Édipo pode gerar.
            Basicamente, o supereu e a identidade sexual que o indivíduo vai assumir são conseqüências de sua passagem pelo complexo de Édipo. Vimos a pouco que a mulher, terminada suas fases edipianas, vai incorporar o pai e a mãe, principalmente esta, pois a mãe é quem dá o equilíbrio no processo psicológico da menina; e a incorporação do pai supõe (significa) que a incorporação do supereu do pai foi plausivelmente feita. Para compreendermos o supereu do pai, vejamos o que acontece com o menino quando supera o complexo de Édipo.
Segundo Nasio, o supereu é uma instância psíquica criada no menino por causa do complexo de Édipo. “O supereu é instituído graças a um gesto psíquico surpreendente: o menino abandona os pais como objetos sexuais e os mantém como objetos de identificação. [...] apropria-se deles como objetos do seu eu; [...] assimila a moral deles” (p. 40); os valores, sentimentos e o comportamento do indivíduo é operado, controlado pelo supereu. Citando Freud, o que acontece: “o complexo é abandonado, recalcado, destruído radicalmente no caso mais normal, e um supereu severo é instituído como seu herdeiro”.
            Uma questão específica acerca de nosso pai psíquico – o supereu – é o que Nasio aponta como fatores determinantes sob o tipo de supereu que será instituído no indivíduo. Para Nasio: “Nosso supereu pode ser muito severo ou muito tolerante, segundo a velocidade e a violência do recalcamento do complexo de Édipo” (p. 136); de certo, nesse ponto o adulto responsável pela criança, pode agir deliberadamente, ou não, sem prejudicar o bom andamento da fase edipiana da criança. E, novamente ressaltando Freud, Nasio especifica as determinantes do supereu:
O supereu tentará reproduzir e conservar o caráter do pai, e quanto mais intenso for o complexo de Édipo mais rapidamente se dará o recalcamento e mais intenso, também, será o rigor com que o supereu reinará sobre o eu enquanto encarnação dos escrúpulos de consciência, talvez igualmente de um sentimento de culpa inconsciente. (p. 136)

            Ouve-se comumente, no âmbito dos estudos da psique, a noção de neurose. Esta se divide entre ordinária – tomada com fruto de um Édipo mal recalcado –, e a mórbida – como resultado de um Édipo traumático. A neurose: “É um sofrimento psíquico provocado pela coexistência de sentimentos contraditórios de amor, ódio, medo e desejos incestuosos para com quem se ama e de quem se depende” (p.93); podendo ocorrer na criança uma vez que o complexo de Édipo é a primeira experiência desse tipo que a criança passa. Além disso, a mesma se dá em adultos, pois considera-se a neurose como a reativação do Édipo na fase adulta. Nasio defende que:
As fantasias edipianas, mal recalcadas na infância, reaparecem na idade adulta sob a forma de sintomas neuróticos. Em outras palavras, a neurose de um adulto é explicada pela intensidade com que ele viveu seu prazer sexual de criança e pela violência ou labilidade com que ele recalcou. (p. 136)
Assim sendo, ter alguma neurose ordinária é o normal no ser humano. Já a neurose mórbida possui peculiaridades mais “perigosas”.
Nasio defende que a neurose ordinária continua em nossa dia a dia devido a pessoa nunca realizar, nem evitar completamente, as torrentes de seus desejos incestuosos. Todos nós, portanto, continuamos “no conflito com as criaturas que amamos intimamente porque continuamos sempre a desejá-las com ardor” (p. 95) e essa neurose ocorre porque a dessexualização dos pais edipianos foi insuficiente.
            Já a neurose mórbida que engendra o sujeito dentro de um caso patológico. Ela se divide em: fobia, quando uma criança sofre algum abandono, real ou imaginário, provocando grande aflição; obsessão, quando a criança é vítima de maus-tratos que também pode ser fantasiosa ou não; e por fim a histeria, quando a criança passa por um contanto excessivamente sensual com o adulto de quem depende (p. 95).
           
Aplicação dos conceitos
            Selecionei uma passagem do romance A árvore das palavras, de Teolinda Gersão, cuja narrativa tem como fio condutor a história da protagonista-narradora (Gita) que, por meio de um olhar sensível e lúdico, convida-nos a incursionar em suas lembranças. Na primeira parte da obra, Gita, ainda criança nos apresenta a casa branca, representada por sua família — brancos pobres, pertencentes a Moçambique — e a casa preta e o quintal, representados pela ama-de-leite, Lóia. Nesse espaço, encontraremos possíveis cenas que demonstram o encantamento, e por que não dizer encantamento erotizado (no sentido de que é rico em realização do complexo de Édipo), de Gita por seu pai Laureano.
Tal cena tomo como exemplo de fantasia que se passa na cabeça da criança, Gita, projetando nos adultos o seu Falo. E como certas brincadeiras podem gerar o prazer na mesma, levando em conta as questões a cerca do Édipo feminino.
Cena I
            E logo ali a casa se dividia em duas, a Casa Branca e a Casa Preta. A Casa Branca era a de Amélia, a Casa Preta a de Lóia. O quintal era em redor da Casa Preta. Eu pertencia à Casa Preta e ao quintal. (p.10)         
Mas o melhor momento é à noite, antes de eu adormecer, quando ele pega numa caixa de música que tem em cima um gato que dança. [descrição do gato na caixa de música] Tudo me intriga e me fascina, porque é um gato invulgar, de quem nunca se pode pensar, como de Simba, que é cunhado do gato bravo e sabe ainda muitas coisas da floresta.
                Laureano dá a volta à manivela e ele gira sobre si próprio ao som da música – notas leves, metálicas, que lembram vagamente um som de timbila. Ocorrem-me perguntas – por razão se veste assim e usa aqueles sapatos? – mas não quero falar para não deixar de ouvir, e terei adormecido antes de ele ter acabado de dançar.
            Em troca deste gato e da sua música jogarei um jogo contigo. Assim, quando chegas á tarde, e chamas, entrando pela porta: Giiiiiitaaaa... – só o silêncio responde, a casa parece vazia e sonolenta. Porque eu não estou, como à hora do almoço, à tua espera à janela, transformei-me num animal pequeno, escondido em passos furtivos atrás do guarda-louça. E tu deixaste de ser tu, és agora um animal grande chegando, fatalmente chegando, cada vez mais perto.
Sinto-te caminhar, invisível, por entre os móveis da entrada, empurrando a porta da sala, farejando o ar, à procura, por debaixo das mesas e por detrás das cortinas, enquanto eu quase desapareço na sombra, com o coração a bater cada vez mais. Sabendo que nada me dará tanto prazer como esse instante de quase terror em que me encontras, quando ainda não és tu, nem és sequer um homem, mas o desconhecido, o animal, o monstro, entrando de repente em casa e violando a sua ordem antiga.
Ser encontrada é uma morte, um júbilo, o passar de um limite. Por isso eu grito, de terror, de gozo, e de espanto. E então tu pegas em mim e seu sei que estou à tua mercê e que, como um animal vencedor, me poderás levar contigo, para o outro lado da floresta. Sim, e esse instante é uma pequena morte jubilosa. Triunfas sobre mim e, como se me devorasses, eu desapareço nos teus braços. Mas de repente continuo viva, como se voltasse à tona de água, do outro lado de uma onda gigantesca.
E agora és de novo tu, de novo homem, o homem amado desta casa. Vejo o teu rosto, o teu corpo, os teus olhos sobretudo, e não sei como foi possível ter estado alguma vez no teu lugar o animal. Ou o mal. Porque agora me é familiar como o vento e a chuva. (p.13)

            É uma passagem bastante rica em elementos fálicos, em fantasias eróticas que assumem a roupagem do lúdico – brincadeira pai e filha. Bem como vemos uma carne de criança transbordante de desejo incestuoso. Primeiramente, Gita diz que pertence à casa Preta e não à casa Branca (representante da mãe), isto é, ela já se encontra na fase edipiana, pois já superou seu pré-Édipo. O assistir ao pai com a caixa de música é uma fantasia de sedução do pai, uma atração para com a filha, um ato que a fascina. Após isso, Gita propõe um brincadeira com o pai, e como ela conhece a floresta, os animais, e vê seu comportamento de se esconder, ela transporta essa realidade animal para si e para o pai.
            A aceitação do jogo é visto na busca do pai por Gita. Então, os acontecimentos que se prosseguem: o bater da porta, o farejar já desejo sendo consumado, o coração que bate cada vez mais são sinônimos de excitação ascendente. A brincadeira faz do terror um prazer. A pulsão de vida e morte começa a ser patente nessa parte; até os termos usados (prazer, terror, morte, júbilo, grito, gozo, morte jubilosa) não disfarçam mais o que a brincadeira realmente é.
            Contudo, como foi estudado, o pai na realidade não viola sexualmente sua filha, mas a vontade desta explode nessa busca de ter o pai. Pelo menos na fantasia, esse pai vai violá-la primeiro porque a “ordem antiga da casa” não vale mais, ou seja, a lei que proíbe o incesto não vale mais. Só que, para isso ser possível, é necessário se romper um limite. É necessário morrer; morrer como uma passagem que vai levar à floresta, esta enquanto o lugar onde o gozo da criança pode continuar sem impedimentos.
            Só que tudo o que é bom passa. Sim, a onda passou, a turbulência das excitações sexuais no corpo da menina foi descarrega na carne do pai, este a devorou. Passada a onda, só resta mais uma vez cai em si, se “destransformar” de animal para ser humano, a realidade irrompe com a fantasia e a destrói. Os olhos do pai agora revelam que a lei anti-incesto, na verdade, continua e o pai não é mais aquele animal que deu gozo a ela, e sim, o homem amado. De qual casa? Da casa Branca, onde a plenitude não existe. Agora, será que outra brincadeira virá no outro dia? Gita precisa esperar, como se esperam as ondas; e também dormir e acordar, semelhante as ondas que vem e que vão.
            Eis o fim, vento e chuva são inorgânicos, mas se movem como se tivessem uma vida agindo por trás. A vida de Gita volta a ser familiar como o vento e a chuva; só que em seu inconsciente permanece um desejo pela interação tempestuosa dos dois, vento e chuva, que a levará novamente para as ondas de prazer que sua carne fora afundada (mergulhada), até chegar ao gozo, à plenitude.
Referências bibliográficas:
GERSÃO, Teolinda. A árvore das palavras. São Paulo: Planeta, 2004.
NASIO, Juan-David. Édipo: o complexo do qual nenhuma criança escapa. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.
           



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